Na semana passada, a cantora e atriz Linn da Quebrada foi a protagonista de diversos artigos da internet – e o motivo foi a estampa da camiseta que escolheu para entrar na casa do Big Brother Brasil, o famoso reality show da Globo.
Não canso de falar aqui sobre como a moda é uma linguagem, que carrega signos e símbolos em elementos de design – dos mais aos menos óbvios. Estampas de camiseta geralmente carregam mensagens bem objetivas, e esta foi a estratégia de Linn na sua entrada triunfal no programa. O assunto já repercutiu bastante por aí, mas para relembrar (ou para os desavisados) a cantora usou uma peça criada pelo artista visual Yhuri Cruz – uma releitura da obra “Monumento à voz de Anastácia”, pintada em 1817 pelo francês Jacques Etienne Arago. Anastácia foi uma mulher negra, congolesa, escravizada, que no século XVIII foi condenada a usar uma mordaça pelo resto da vida por lutar contra o homem branco que a violentou sexualmente. Sua imagem é símbolo de resistência, e é replicada e reproduzida até hoje. No original, ela está com a mordaça e um grilhão no pescoço, mas na versão de Yhuri, batizada de Anastácia Livre, ela aparece sem estes elementos de violência.
Onde começa essa história?
Linn da Quebrada definitivamente fez história, mas não é a primeira a usar uma camiseta estampada para falar de coisas importantes. Isso vem de muito antes. O uso de camisetas como peça de roupa que fica à mostra, inclusive, já foi um movimento de transgressão da juventude da década de 50. Até então ela era peça íntima do armário masculino.
Camisetas com mensagens de protesto começaram a aparecer ainda na década de 60, entre movimentos jovens de subcultura, como os hippies e seus slogans (“Faça amor, não faça guerra”). Neste momento ela deixa de ser uma peça masculina e se torna unissex.
Nos anos 70, é impossível deixar de citar Vivienne Westwood e Malcolm McLaren e o niilismo do movimento punk; as camisetas criadas por eles carregavam mensagens que atacavam tudo, de religião a fascismo. Na década de 80, a estilista Katharine Hamnett também ficou conhecida por usar as camisetas como suporte para mensagens políticas e ideológicas, sempre em materiais orgânicos e sustentáveis, que produz até hoje.
A partir daí, fica praticamente impossível enumerar; as camisetas como veículo de comunicação aparecem nos mais diversos contextos, em coleções de moda, manifestações públicas de artistas e celebridades, nas ruas em toda a parte e em formatos de expressão cada vez mais sofisticados, como a criação de Yhuri Cruz usada por Linn. Aqui no Brasil, o ano de 2021 ficou marcado pelas camisetas celebrando a vacinação contra a Covid-19 e o SUS – muitas vezes de maneiras bem humoradas, mas também com mensagens de luto pelas pessoas que não puderam ser vacinadas a tempo.
A roupa fala. Direta ou indiretamente. A estampa da camiseta criada por Yhuri Cruz por si só já é uma imagem de impacto, mas ganha ainda mais força no contexto – Linn é negra e se identifica como travesti, o que nas palavras da também cantora Elza Soares (que perdemos na semana passada) é o equivalente hoje à mulher negra de 60 anos atrás, no que diz respeito à discriminação e todos os tipos de violência sofrida. É desta forma, então, que a mensagem se torna extremamente potente.
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