Uma jovem extremamente entusiasmada com um produto que acaba de receber – uma bolsa da marca italiana Bottega Veneta, em um design curioso que parece uma toalha de banho enrolada. Esse foi um vídeo da influencer Malu Borges que viralizou nas redes e virou piada entre os usuários: o que leva alguém a investir cerca de 20 mil reais em um produto de luxo que parece um objeto banal?
A bolsa em questão tem até nome, como grande parte das bolsas grifadas por aí: The Pouch. E ela não é a única proposta polêmica do mercado de luxo nos últimos anos. Marcas como Moschino e Balenciaga têm apostado no mesmo tipo de estratégia. Para gente com um poder aquisitivo da vida real, estes produtos com uma estética mais exótica e lúdica causam estranheza – especialmente pelo quanto eles podem custar – mas são objetos de desejo disputadíssimos entre consumidores de luxo.
Entre memes e piadas ácidas sobre o vídeo de Malu, acabei dando de cara com uma crítica bastante lúcida de Verena Figueiredo, colunista da revista Glamour. Em um destes vídeos curtos que se espalham rapidamente pelo Instagram e TikTok, ela pontua questões bem relevantes sobre o assunto. Segundo ela, quando nós, pessoas comuns, temos acesso a produtos de luxo, em geral optamos por modelos mais clássicos e atemporais, já que consideramos esse tipo de compra como um verdadeiro investimento. Quem já está habituado com o alto valor de roupas e acessórios de marcas internacionais, busca neste tipo de peça peculiar um signo de diferenciação, que conversa justamente com outras pessoas com a mesma condição social – esse é o objetivo.
É interessante ver o humor em torno do tema. Eu entendo por que as pessoas riem do fato de alguém pagar milhares de reais em uma bolsa que parece uma toalha de banho, eu compreendo o estranhamento com essa estética do absurdo, porém acredito que manter a discussão apenas nesse nível é tão superficial quanto o vídeo da influencer. Moda sempre foi sobre símbolos, signos e comunicação, sobre carregar uma mensagem – tendo consciência dela ou não. Todos nós fazemos isso quando tentamos nos adequar a um ambiente ou situação. Malu Borges é uma jovem rica se comunicando com pessoas como ela; a mensagem chega em nós, mas é para pessoas que têm as mesmas referências e a mesma realidade que ela que é direcionada: “eu invisto essa grande quantidade de dinheiro em um objeto luxuoso de tendência porque eu posso”.
Outra questão que Verena levanta e que considero essencial é essa casualidade com que o consumidor de luxo ostenta esse tipo de produto, e coloca em debate o seguinte ponto: será que se não se tratasse de um produto de marca, ele daria a mesma importância a essa tendência de design? A resposta é que provavelmente não. Ela também critica a forma superficial como Malu Borges trata do assunto em seu vídeo: é apenas mais um conteúdo ostentando um artigo caríssimo que pouca gente tem acesso, que reforça estereótipos e preconceitos em relação a pessoas que trabalham com moda – uma das indústrias que mais emprega no mundo.
Eu estou na indústria da moda há exatamente treze anos, desde sempre em contato com marketing e comunicação, e posso afirmar que nunca antes o grande público teve tanto acesso à informação daquilo que acontece nos segmentos mais luxuosos do mercado. Essa quantidade insana de influenciadores digitais, que hoje fazem parte das estratégias de marketing das grandes marcas, é justamente a ponte que liga estes mundos tão distintos. Para mim, o grande problema desse modelo de criação de conteúdo é a desconexão da realidade – especialmente em um país como o nosso. Malu Borges não é a única a fazer vídeos como o que viralizou, mas foi a bola da vez. E não é como se ela não pudesse se permitir gastar seu dinheiro como bem entende – o que é inconveniente mesmo é ostentar com tanta naturalidade em um lugar onde, nesse momento, uma parcela significativa da população não tem acesso ao básico.
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