Brazilian bombshells: por que rejeitamos o estilo sensual da mulher brasileira no mundo?

Manuela Casali – Instagram

Na semana passada Anitta fez história como a primeira artista brasileira a participar do VMA, consolidando a internacionalização de sua carreira. Anitta é impossível de ignorar e absolutamente todos têm alguma opinião a dar – e muitas vezes as críticas são duras, especialmente à imagem de brasilidade que ela vende lá fora. Ao assistir a tudo isso, é inevitável não encontrar semelhanças com a carreira internacional de outra brasileira (na verdade portuguesa, criada no mesmo Rio de Janeiro de Anitta): Carmen Miranda.

A nossa pequena notável sofria críticas com um teor bem parecido com as que recebe a garota do Rio – rejeitamos a imagem de mulher brasileira que elas carregam consigo: popular e sensual. É claro que os contextos são completamente diferentes, assim como a administração das carreiras: Carmen Miranda acabou se tornando uma ferramenta cultural de Getúlio Vargas e do Estado Novo para criar uma relação com os Estados Unidos, e Anitta parece conhecer bem melhor o business e acompanha de perto tudo o que envolve seu trabalho.

Carmen Miranda deixando sua marca na Calçada da Fama de Hollywood e Anitta acompanhada do designer Alexandre Birman no Baile do MET

Eu sei, o propósito desta coluna é falar sobre moda e estilo, e eu estou chegando lá. Podemos começar falando como surgiu essa personagem da baiana estilizada que Carmen Miranda levou para o mundo. A primeira vez que a artista apareceu vestida assim foi em 1938, na produção Banana da terra. Uma das canções do filme era O que é que a baiana tem?, de Dorival Caimmy, e Carmen usou a letra da música como inspiração para criar o visual (sim, ela mesma criava o que vestia). Surgia assim esse meio-termo entre a estética tropical e o glamour das estrelas de cinema de Hollywood: uma baiana cosmopolita que se transformou na imagem internacional do Brasil. Não sem que se torcessem alguns narizes, Carmen ficou conhecida nos Estados Unidos como Brazilian Bombshellrealmente uma bomba.

As duas versões de Anitta para Girl from Rio

Anitta sabe de tudo isso – não foi aleatoriamente que uma das referências de seu clipe Girl from Rio (a produção audiovisual mais cara da cantora até o momento, de acordo com a revista Exameé justamente sua antecessora. A primeira parte do clipe busca um imaginário do Rio de Janeiro do passado, lá pelos anos 50, quando começava a surgir a Bossa Nova. Anitta se veste de pin-up em uma praia da Zona Sul (Ipanema?), tudo muito sofisticado e em tons pastel. Alguns cenários são inspirados nos palcos dos musicais de Carmen Miranda na década de 40, como a produção da Disney Alô, Amigos, onde ela contracena com o personagem Zé Carioca.

A segunda parte fala sobre o Rio do presente, das mulheres com corpos bronzeados e esculturais, e a referência de estilo vem da década de 80 com os famosos biquínis asa-delta e tons de neon. As locações são mais populares que as do início: ela agora está no Piscinão de Ramos, celebrando sua origem (the street have raised me I’m favela, diz a letra da música). Para mim esse clipe é uma produção impecável no que diz respeito à pesquisa de referências estéticas (muita, muita, muita pesquisa foi feita), principalmente de moda. Girl from Rio é praticamente um resumo da imagem de Brasil que Anitta pretende vender.

Tanto Carmen quanto Anitta internacionalizaram suas carreiras construindo não apenas uma identidade brasileira em si, mas uma imagem da América Latina – a primeira com o samba carioca e a segunda com a sua versão do funk, os dois ritmos considerados “marginais”, cada um em sua época. Segundo a professora doutora Tânia Garcia da Costa a questão da rejeição do estilo vendido por Carmen, e agora por Anitta, revela uma crise do brasileiro com sua própria identidade; as duas são, sim, dois grandes estereótipos de Brasil (e toda nação é representada por estereótipos em algum nível), mas também são um símbolo do que realmente somos: “subdesenvolvidos, tropicais, mestiços, dionísicos”. A mulher brasileira (e uso esse termo como conceito) tem, de fato, um estilo mais sensual: nossos biquínis são famosos pelo corte que valoriza as formas do corpo, gostamos de marcar a cintura e a silhueta básica do nosso design de moda está nas linhas curvas. Não somos o Brasil Bossa Nova da Zona Sul do Rio – somos muito mais as mulheres de Honório Gurgel, e talvez seja o momento de abraçar e exaltar as coisas que saem daqui para brilhar no mundo.

Para assistir:

Carmen Miranda: banana is my business (1995) – Looke

Anitta: made in Honório (2020) – Netflix

 

 

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