Quando falamos de moda, quase sempre somos levados a uma imagem inacessível de passarelas e flashes, mas a verdade é que, a moda está aqui, na nossa vida, todos os dias, de maneiras que às vezes nem percebemos. Para estrear essa coluna, escolhi relacionar moda e estilo com algo que seja parte de um hábito comum, como o de assistir séries. E não tinha uma produção melhor pra fazer isso que O Gambito da Rainha, uma série original da Netflix que alcançou números inimagináveis e despertou um interesse geral pelo jogo de xadrez.
Antes de falar o que é que a moda tem a ver com tudo isso, vamos passar uma breve sinopse para todo mundo se localizar. O Gambito da Rainha é uma série ambientada nos Estados Unidos da década de 60 (guardem essa informação!), e fala da saga da jovem Beth Harmon, entre a vida em um orfanato e o auge de uma carreira no xadrez. Agora que já estamos todos na mesma página, vamos ao figurino da série, magnificamente pensado pela figurinista Gabriele Binder!
O figurino nas produções audiovisuais é um elemento essencial para a construção de personagens, isso porque, assim como na vida, a roupa é capaz de transmitir mensagens e valores de forma não verbal – além de nos localizar no espaço-tempo. Eu escolhi falar sobre O Gambito da Rainha porque desde o primeiro episódio, Beth já demonstra uma ligação pessoal com a roupa: na cena em que, ainda na infância, sofre um acidente de carro com sua mãe, Beth usa um vestido com seu nome bordado por ela.
Esse vestido é trocado por um uniforme no orfanato, o que causa certo sofrimento – a peça ali não está à toa, ela simboliza sua relação com a mãe e um sentimento de casa, e tudo isso lhe é tomado quando depois da morte da mãe ela precisa ir morar com outras garotas órfãs de várias idades.
Outra peça importante para o andamento da história de Beth, é o primeiro vestido que ela compra depois de ser adotada. Aqui já temos mais alguns símbolos, e o primeiro diz respeito ao design da peça. Lembra que eu disse que a série é ambientada nos anos 60? Pois bem, esse vestido que Beth acaba comprando em uma loja de departamentos tem um corte característico da década de 50, ou seja, já estava meio fora de moda, principalmente em comparação com o que as garotas de sua escola estavam vestindo – aqui, uma única peça de roupa é capaz de deixar claro o deslocamento de Beth entre seus colegas.
Outra estratégia sutil de Binder foi usar uma padronagem xadrez, como a representação da conexão de Beth com o jogo. Ela usa esse recurso mais vezes durante a trama, incluindo um momento em que – com a reputação consolidada nos torneios de xadrez – a personagem veste um casaco de alfaiataria vintage assinado por André Courrèges (designer importantíssimo da época) que é a imagem perfeita da autoconfiança.
Na fase mais madura e descolada de Beth, já vemos looks bem diferentes e ligados à moda de várias maneiras, inclusive na referência visual escolhida pela figurinista. Tanto a maquiagem quanto o estilo de vestir foram inspirados pela estética da modelo e atriz Edie Sedgwick, a musa rebelde de Andy Warhol. Essa referência tira Beth do estereótipo nerd dos jogadores de xadrez, e a coloca como a verdadeira outsider que é nesse universo.
Claro que aqui não tem espaço pra destrinchar cada look de Beth durante a série, mas para finalizar os figurinos essenciais que ela usou, não posso deixar de citar o do último episódio. Evitando maiores spoilers para quem ainda não assistiu, na última cena ela surge triunfante, trajando branco da cabeça aos pés, e é claro que essa é mais uma metáfora da genial Gabriele Binder: o mundo é um tabuleiro, e Beth é a rainha.
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