Como a defesa e o ataque do homem gay dizem sobre afeto, carência e fantasia

Se é um sintoma, há uma origem. E se tem origem: qual é? Por que é tão “comum” nas nossas vidas passar por isso?

Este texto tem um lado bastante pessoal. E por mais que ele não seja sobre, eu decidi começar ambientando com o Big Brother Brasil, de novo, pois ainda é algo que está em nossa realidade. Especificamente, falarei sobre dois participantes: Eliezer e Vinícius.

Antes de avançarmos, no entanto, um pedido: sintam-se incluídos(as) todas as demais vivências LGBTQIA+, no entanto, o foco está na realidade que eu posso falar, por vivê-la. Por isso, o termo homem gay é repetido durante o texto, mas contemplando também demais vivências.

Maria, Eliezer e Vinícius dormem juntos no Quarto Lollipop, do BBB 22 (Reprodução/TV Globo)

No Twitter, a grande rede social que é responsável pela ascenção ou queda de alguém (e eu nunca consigo tirar da cabeça que o Twitter é, na vida real, a distopia que foi retratada em Odiados pela Nação, sexto episódio da 3ª temporada de Black Mirror – e se você ainda não assistiu, seja esse episódio em específico ou Black Mirror como um todo, recomendo fortemente), a cena da foto acima foi vorazmente criticada e comparada (virando, claro, motivo de chacota) com a mesma, parecidíssima, de 2020, onde Gabi, Victor Hugo e Guilherme estão deitados de forma bastante similar:

Gabi, Guilherme e Victor Hugo deitam juntos no Quarto Vila, do BBB 20(Reprodução/TV Globo)

Muita gente se perguntou: “mentira? Esse gay está prestando esse papel? Por que se humilhar tanto assim, gente?”. 

Já eu me perguntei: o que o Vinicius tem de parecido com o Victor Hugo? E o que os dois têm similares a mim e a 68% das pessoas que responderam uma enquete que fiz sobre este assunto no meu Instagram? Eu tentei buscar a resposta.

Um homem gay administra muita coisa durante o processo de entender que é de verdade (não é quem, é que mesmo): entender quem somos nós > auto-aceitar isso (que, estou para dizer, é uma das etapas mais dolorosas do processo) > conseguir narrar isso para si e para o mundo > encarar a realidade (que, estou para dizer, é uma das etapas mais amedrontadoras do processo).

Este homem gay precisa correr uma maratona inteira com obstáculos: cada um ultrapassado é uma conquista, mas a dor dos joelhos ralados nas quedas que nem sempre te ajudam a levantar é grande. A gente passa tanto tempo pensando em como será quando nós conseguirmos dizer para nós mesmos que somos LGBTQIA+ que, quando conseguimos dizer para si, o medo é outro: como vai ser para o mundo? Eu preciso da aceitação do mundo?

É óbvio: todas essas etapas vão se construindo e a gente vai buscando respostas para tudo, mas acho que uma delas, em específico, responde o motivo pelo qual vemos Vinicius, Victor Hugos e tantos outros homens repetindo esse padrão: por muito tempo, a gente não se enxerga como digno de receber afeto (até porque, como propositalmente eu disse: a gente às vezes nem sabe que é de verdade). Sabe quando um animal é apreendido em uma casa, por exemplo, para ser solto de volta na natureza? O bicho fica muito arisco pois ele não sabe que aquilo está sendo feito com boas intenções, para que possa ser salvo. A gente desconfia que não possa ser salvo? Salvo de que? De quem?

Como eu perguntei lá no começo do texto: Se é um sintoma, há uma origem. E se tem origem: qual é? Por que é tão “comum” nas nossas vidas passar por isso? O porquê talvez não tenha encontrado, mas visto pessoas com situações similares a essa, sim. No meu Instagram, perguntei e obtive algumas respostas:

Se 68% dos(as) respondentes disseram que sim: há um sintoma. Não é algo isolado. Existe uma razão para isso acontecer. O que une essas pessoas em comum? Qual é o sentimento – ou a falta de – que faz com que esse comportamento seja observado?

E eu digo com propriedade, porque eu já, literalmente, reproduzi a cena das imagens deste texto na minha vida. 

Quando a gente percebe, na real, que somos seres humanos dignos de sermos amados? O afeto que nos afeta é mesmo causado por conta do homem heterossexual ou é pura e simplesmente a vontade de sentir bem quisto?

A forma com a qual nós temos de dizer que precisamos receber afeto é, exatamente, concedendo afeto. Pra ser cuidado, a gente é arisco para pedir, mas ávido demais para fornecer. A gente cuida do outro na intenção de que, magicamente, alguém faça isso com a gente. Vivemos à espera de um sim que, por vezes, não dizemos para nós mesmos.

A gente se acostuma tanto a guerrear sozinho que quando alguém vem pro nosso lado no campo de batalha, nós achamos que todo mundo é inimigo, quando na verdade o objetivo é somente ser alguém que nos vá oferecer ajuda, afeto e carinho.

Durante a publicação da enquete no meu Instagram, o Felipe Moreira me respondeu com dois pontos que eu nunca poderia deixar de trazer aqui:

“Até onde vejo, reúne 2 fatores: o primeiro é a tendência de se atrair por aquilo que a gente é incentivado a ser (heteronormatividade compulsória) e também o fato de que é incomum receber respeito e afeto de pessoas fora do seu meio. A gente tá acostumado com a rejeição, e aí qualquer mínimo que um cara hétero faz, dentro daquele contexto que a gente não tá acostumado a ser inserido, se torna um sinal pras iludida. (sic)”

Essa troca com o Felipe me fez lembrar outra troca, que tive com o Christian, meu amigo de caminhada, orientação e longa data. Ele apontou algo importante: “mas vc não tem culpa de só conhecer héteros. tipo, a gente tem muito mais convívio com hétero do que com gay”. É de se pensar.

Há um sentimento de revolta que permeia o meio gay que, especificamente, vem de um sentimento de reconhecimento: costuma-se dizer “bicha, se valoriza!” para o outro no intuito de que, ao dizer para o outro, consigamos ouvir nós mesmos.

É mesmo o Vinícius que está iludido? O Eliezer tem alguma parcela de culpa nessa história? Por que há tantos Vinicius pelo mundo? E tantos Eliezers? O que cada um que carrega um Vinícius dentro de si quer encontrar? E o que cada um que carrega um Eliezer dentro de si quer perder? 

Por que a gente tende a querer viver algo que não dá pra viver de verdade? Na fantasia as coisas doem menos? Ou é lá que a gente vê dar certo o que tanto já não deu na vida real?

O que faz com que tantas pessoas com características em comum tenham passado exatamente pelas mesmas ocasiões? As origens que levam a esses resultados são as mesmas? Não é curioso ver algo sendo feito por pessoas diferentes, mas com orientações em comum, de forma repetida?

Deixo aqui um dos diálogos mais profundos que ouvi nos últimos tempos. Para quem quiser assistir, ele está aqui neste link, mas decidi deixar transcrito:

Vinícius: Acho que eu me acostumei a cuidar de todo mundo.

Lina: Eu também, por muito tempo. E daí, nessas eu esqueci do que eu gostava, esqueci de ser cuidada um pouco, sabia? E de cuidar um pouco de mim, dos meus limites, dos meus ‘nãos’. E é muito difícil falar não. Tem coisas que machucam e a gente nem sabe o porquê.

Vinícius: Verdade.

Lina: A gente quer ser gostado também, um pouquinho, não é?

Sim, Lina. A gente quer ser gostado um pouquinho.

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