“O pai desse aí chora no chuveiro”: como a perpetuação do preconceito é aplicada nos ditados populares?

Por: - 14 de abril de 2022

É na brincadeira que, muitas vezes, mora a violência.

Eu posso apostar: seja ouvido ou lido, consigo garantir que em algum momento, você já teve contato com a expressão: “o pai desse(a) aí chora no chuveiro”, querendo induzir e dizer que alguém que, assumidamente ou não, seja LGBTQIA+, traz um desgosto tão profundo aos familiares que o pai não consiga segurar as lágrimas ao entrar no banho. Tem até camiseta vendida com isso. Mas porque isso é nocivo, grotesco, violento e desnecessário?

Pessoas que se identificam com a heterossexualidade tendem a encontrar mecanismos de, no menor sinal que for possível, humilhar alguém LGBTQIA+. “Esse aí é igual sol das 10: parece que não, mas queima”; “o pai desse(a) aí chora no chuveiro”, “no churrasco de domingo, esse daí com certeza leva a linguiça” e assim sucessivamente.

Conseguem entender comigo que, ao pontuar esse tipo de afirmação, a gente coloca a sexualidade própria e alheia como um problema? Um erro? Algo vergonhoso? Motivo de choro? Porque um pai choraria no chuveiro (ou teria que ao menos pensar em fazer isso) somente pelo fato de o(a) filho(a) ser quem é?

Isso é uma invalidação. É um apagamento do existir do outro, por conta de um ponto que já até aconteceu comigo: meu pai, particularmente falando, não chora no chuveiro. Somos muito parceiros, inclusive, quando o assunto é a minha sexualidade e lidamos extremamente bem com isso.

Mas, mesmo no tom de brincadeira, e tendo a certeza de que meu pai basicamente me ama por quem eu sou, ao ouvir esse tipo de brincadeira, é inevitável não pensar e colocar em cheque toda essa certeza já conquistada com um “mas espera: será que meu pai realmente vê problema nisso?” A gente sabe, entre nós, que não. Já conversamos sobre isso, mas o poder que ouvir esse tipo de “brincadeirinha” tem sobre as nossas relações é extremamente complicado.

Qual o intuito? Brincadeira. Só que, como eu costumo dizer – e já disse mesmo por aqui, na coluna – vai além da brincadeira: aqui, neste texto, eu falei um pouco sobre como o humor é ferramenta pejorativa; já aqui, eu questiono a razão pela qual alguém “parecer mulherzinha” é algo tão pejorativo. Percebem? Quando eu faço esse tipo de piada (a do pai chorar no chuveiro), eu pressuponho que a sexualidade do outro é um problema > acuso isso como brincadeira e perpetua-se a violência > compara-se a sexualidade alheia com algo pejorativo. É uma cadeira de horrores.

Não nos apaguem. Não achem que qualquer piadinha é passível de ser feita só “porque a gente nunca ligou pra isso”. Só porque é “normal zoar a rapazeada”.

Não normalizamos o preconceito. Em nenhuma condição. Nem de brincadeira.

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