Os pronomes de quantas Linns da Quebrada também ainda não são respeitados?

 

É natural que, ao ver uma bola, não falemos que aquilo é um tatu. Por que, ao ver uma travesti que tem ELA tatuada na testa, é difícil chamar ELA de ELA?

 

Os desconfortos gerados à Linn da Quebrada, na edição de número 22 do Big Brother Brasil, aconteceram tempos antes de este texto ser publicado. Mesmo assim, o programa continua no ar, e eu acho extremamente pertinente abordar esse assunto por aqui. Considerando que, depois de quase 2 meses sem publicar na Queer Post, voltar com os textos semanais abordando este assunto é, além de importante para mim, importante para o mundo.

Eu não vou reproduzir aqui os vídeos onde Lina Pereira dos Santos, cantora, compositora e agitadora cultural, de 31 anos e de São Paulo, é violentada e desrespeitada em uma casa com outros 19 adultos. E não vou reproduzir pelo respeito que tenho por Linn: desde 2016, quando ela emergiu na internet com o hit “Enviadescer”, eu não parei de acompanhá-la.

E nem de respeitá-la.

O sorriso extenso de Linn contagia e transforma exatamente por isso: existir (Reprodução: Instagram)

Vou tentar ser bastante prático: geralmente quando vemos uma geladeira, sabemos que é uma. Quando vemos um fogão, sabemos que é um. Quando não sabemos, no entanto, é natural que a gente aprenda, ou se questione, sobre o que é aquilo que, até então, a gente não sabe o que é. Certo? Por que, ao ver alguém que é claramente o que se está vendo, ou seja: travesti, não conseguem respeitar essa condição? Porque é sádico desrespeitar, na cara dura, alguém e a existência desse alguém?

Tudo bem: eu já ouvi muita gente falando, até pra mim, que “entender essas questões é muito confuso”. E é mesmo. Aprender e evoluir incomoda, dói, arranha, arrasta… Pra nós, que já ocupamos esse espaço de respeito e empatia pelo próximo, e que falamos sobre gênero e sexualidade quando sempre podemos, não foi fácil também. Mas foi possível. E se foi possível por aqui, porque não seria também aí? Qual a razão de, em vez de realmente dialogar e respeitar a resistência de outra pessoa, parece mais gostoso desrespeitar?

Sabe quando você percebe o sadismo, a maldade e o objetivo de colocar pra baixo vindo de alguém? É isso: eu já disse aqui na coluna, inclusive, que a gente sabe quando alguém está nos violentando. Depois que as desculpas foram inventadas, machucar alguém ficou mais fácil do que se colocar no lugar desse alguém. 

O que nós vimos dentro da casa mais vigiada do Brasil é algo que as câmeras, aqui do lado de fora, não filmam: todos os dias, o país que mais mata travestis e pessoas trans no mundo não se importa em respeitar a vida e a dignidade da próxima, quem dirá o pronome. 

Um dos maiores e melhores álbuns da música popular brasileira é o Pajubá, da Linn. E uma das músicas do álbum é “Submissa do Sétimo Dia”, que diz em um determinado momento: 

 

Estou procurando, estou tentando entender

O que é que tem em mim

Que tanto incomoda você

Se é a sobrancelha, o peito

A barba, o quadril sujeito

O joelho ralado, apoiado no azulejo

Que deixa na boca o gosto, o beiço

Saliva, desejo

Seguem passos certos

Escritos em linhas tortas

Dentro de armários suados

No cio de seu desespero

Na real, eu costumo me questionar tal qual a Linn: o que é que tem em uma travesti que tanto incomoda outras pessoas? O que uma pessoa LGBTQIA+ tem de tão incômodo? A gente sabe o que é. E a palavra começa com P.

Aqui, eu deixo apenas algumas indicações: como disse, Pajubá é um dos maiores atos da música popular brasileira. Está nas principais plataformas de música, e também no Youtube. Para quem tem Globoplay, por sua vez: Bixa Travesty, documentário de Claudia Priscilla, Kiko Goifman, conta a trajetória da Linn, além da cena musical produzida por artistas trans em São Paulo. Também é possível ver Linn atuando em Segunda Chamada, vivendo o dilema de Natasha, aluna trans que enfrenta a resistência de alguns alunos(as), e o carinho de uma professora.

Linn da Quebrada vive a aluna Natasha, em Segunda Chamada (Divulgação: Globoplay)

As trans, viada, sapatão: como já disse a própria Linn, para ser tudo isso, é preciso de muito, mas muito talento.

 

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