É muito curioso que ainda possamos tratar sobre negociação quando fazemos isso a maior parte do tempo em nossas vidas, na família, na escola, no trabalho, e nos negócios.
Mas, curiosamente, a qualidade de nossas negociações não cresce proporcionalmente a esse treino diário. E não é por falta de talento. De acordo com William Ury, um dos maiores negociadores de nosso tempo, o brasileiro tem uma espécie de aptidão cultural para negociar. Na opinião dele, a convivência entre pessoas de origens étnicas e religiosas tão diferentes contribuiu para tornar nossa cultura mais flexível e inclusiva.
Ocorre que a negociação não depende só de talento inato. É uma habilidade que precisa ser treinada e avaliada com vistas ao aprimoramento.
Pensar sobre nossas negociações diárias é o primeiro passo para negociar bem. Isso significa avaliar o que deu certo e o que deu errado e o porquê. Nem sempre o problema está na estratégia objetiva utilizada, muitas vezes está relacionada a questões subjetivas, como nossas emoções e o modo como interferem no processo. Ury tem sempre dito que o negociador precisa de autoconhecimento. Entender o que lhe desestabiliza, por exemplo, é fundamental para conseguir se controlar durante a negociação. Esse autocontrole, por sua vez, nos ajuda a identificar o que é mais importante na negociação para focar nisso. (Saiba como William Ury conseguiu ouvir Hugo Chávez, aos berros, por quase uma hora)
Além de conhecer a si mesmo, outro passo fundamental é conhecer melhor o outro, logo, saber ouvir. Isso significa:
-Ouvir o que o outro quer dizer, não apenas o que nós queremos ouvir;
-Ficar atento ao que ele efetivamente fala e não ao que imaginamos que irá falar.
Saber ouvir é uma das principais características do negociador.
Essa característica não pressupõe somente escutar em silêncio, mas querer entender realmente os interesses, as necessidades e os pontos mais importantes de quem fala.
Foi utilizando bem essa característica, por exemplo, que Ury ajudou a resolver um conflito muito conhecido entre o empresário Abilío Diniz e Jean-Charles Naouri, presidente do grupo de varejo francês, Casino.
Ele mesmo, Ury, já contou a jornais e também em palestras, que foi chamado para atuar como mediador nesse caso pela família de Abílio Diniz, muito preocupada com o problema que já se arrastava por mais de dois anos. Em contato com o empresário, Ury teria lhe questionado:“O que você realmente quer?”.
Ao que ele respondeu usando posições concretas na negociação, como dinheiro, ações, eliminação de cláusulas. O negociador disse a Abílio que ele tinha tudo o que se poderia querer na vida, e que precisava saber qual era o seu real desejo. O empresário respondeu que queria liberdade para passar tempo com a família e buscar seus sonhos nos negócios.
Depois de Abílio chegar a essa convicção com ele mesmo, o conflito foi resolvido em três dias. Os dois lados sofriam com a batalha financeira e emocional e Ury sugeriu que a negociação se estabelecesse a partir de dois princípios que nada tinham a ver com dinheiro e que foram: liberdade para ambos os lados e respeito. Essas premissas foram as bases da solução.
Ouvir para entender o outro é um desafio que merece treino porque a maioria de nós se habituou a focar somente em si mesmo e nos próprios interesses. Para quem está disposto a esse exercício, a dica é analisar melhor a entonação de voz, a postura, o olhar do interlocutor; buscar ser empático, colocando-se no lugar do outro; ouvir sem preconceitos e com respeito ao jeito do outro, mesmo que isso não altere nosso ponto de vista e ainda que vá contra nossos interesses. Só precisamos ouvir e tentar entender realmente, não precisamos necessariamente concordar. Em suma, é dar-lhe o direito de expor o que pensa e buscar utilizar essa informação para favorecer a negociação.
Finalmente, é importante que se diga que negociar bem não é ganhar sozinho. A boa negociação apresenta resultados adequados para todos os lados envolvidos, como no caso Abílio-Casino. Por isso, é fundamental investir o tempo que for necessário para criar e discutir opções que geram ganhos mútuos. Essa fase otimizará todas as demais e pode mudar o destino da negociação.
Na semana que vem, traremos uma relação de dicas práticas para se preparar para uma negociação.
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