Artistas repudiam ataque homofóbico sofrido por contador de histórias

Por: - 23 de julho de 2021

Em Maringá o assunto do momento é o caso de homofobia identificado em um documento de recurso, protocolado por José Carlos Padilha contra a não aprovação de seu projeto em um edital público, o Prêmio Aniceto Matti. O documento foi divulgado na última quinta-feira (22), enviado por e-mail pela Diretoria de Licitações aos mais de 180 inscritos no edital. 

Desperdiçando a oportunidade de defender o seu próprio projeto com argumentos, respondendo aos apontamentos dos avaliadores – função compatível com o recurso – o recorrente opta por atacar a Secretaria de Cultura, a Prefeitura e o artista classificado em primeiro lugar na categoria Literatura e Leitura R$ 60 mil.

“Quanto vale estar numa encruzilhada entre a vida e a morte? Quanto vale ser passageiro privilegiado nessa viagem? Quanto isso vale como experiência de vida? No formulário de gabarito dos avaliadores do Prêmio de Literatura de Maringá não vale nada, ou quase nada, vale a nota mínima. Vale menos do que um pedagogo com voz afetada, vestindo um figurino de trapos sem sentido estético equilibrando um penico num espanador”, reclama Padilha na primeira página do documento, que tem mais de 20 páginas, muitas delas escritas em caixa alta e negrito. 

Numa busca simples no Google, ao jogar o nome do vencedor da categoria, o escritor, bonequeiro e contador de histórias Danilo Furlan, rapidamente encontramos imagens de uma contação de histórias utilizando os objetos mencionados. Sabemos, também, que ele é pedagogo formado pela Universidade Estadual de Maringá. Fica, portanto, difícil negar a quem se destina tal comentário, uma vez que o autor de recurso busca comparar os valores atribuídos pelos pareceristas, comparação que é feita literalmente depois, com auxílio de tabela. Pode-se verificar homofobia no texto, quando há o destaque para a “voz afetada” do pedagogo e isso nos leva a lembrar que praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito em razão da orientação sexual de uma pessoa pode ser considerado crime. Esperamos, sinceramente, que o caso seja averiguado e, se for o caso, exemplarmente punido. 

Danilo é figura bastante conhecida na cena cultural, uma vez que atua na área desde os anos 1990, desenvolvendo trabalho constante com espetáculos e organização de projetos como o Festebom – Festival de Teatro de Bonecos e o Piquenique de Leitura. Também publicou oito livros, é especialista em Literatura Infantil e responsável pela Cia Manipulando. Homossexual, casado e bem resolvido, Danilo ficou bastante abalado com o ataque, mas comovido com o acolhimento e apoio que recebeu. 

Não foram poucas as manifestações de solidariedade ao artista. A Secretaria Municipal de Cultura, a Macuco – Maringá Cultural Cooperativismo, o Conselho Municipal de Cultura, a Arte Boa – Associação Maringaense de Teatro de Bonecos, a Associação Paranaense de Teatro de Bonecos, a Academia Brasileira de Contadores de Histórias e a Setorial de Humanidades com segmento em literatura do Conselho Municipal de Cultura da cidade de Navegantes / SC emitiram notas de repúdio. Outros, como a Gerência de Diversidade da Secretaria da juventude, o Clube de Leitura Bons Casmurros e o Baque Mulher Maringá, manifestaram repúdio em suas redes sociais. Artistas criaram artes, contadores de histórias fizeram vídeos e levantaram a hashtag #somostodesdanilofurlan 

Chama a atenção uma carta assinada por 10 profissionais do setor cinematográfico de Maringá que já haviam se desligado da Procinema, associação então presidida por José Padilha, justamente por discordar de posicionamentos similares dele. Artistas do segmento de artes cênicas também já se desentenderam com Padilha, que foi removido de um grupo de whatsapp do segmento. A Procinema emitiu uma nota, não de repúdio mas de esclarecimento, para comunicar o licenciamento voluntário do cidadão, não da associação, mas sim da presidência da mesma. 

Ainda sem forças para tomar providências, Danilo não chegou a abrir boletim de ocorrências, mas diz que pretende fazê-lo. A Secretaria de Cultura ainda não publicou novidades sobre o encaminhamento do caso, mas está verificando quais providências pode tomar. A Macuco já abriu processo administrativo para o desligamento do cooperado. Até o momento, José Padilha ainda não se pronunciou sobre o assunto.

Aguardamos o desenrolar dos acontecimentos, torcendo para que o maringaense aprenda que recurso não é terapia, é um instrumento jurídico; que perder edital faz parte do processo; que acreditar no seu projeto cultural não te dá o direito de se achar melhor do que ninguém; que não é possível avaliar os projetos alheios com base nos comentários de pareceristas e que homofobia não pode ser relativizada. Homofobia é crime e deve sempre ser tratada como tal, porque o Brasil é o país que mais mata homossexuais no mundo.

Acredito que a homofobia é o mais grave, porém não o único ponto problemático do recurso protocolado, mas respeitando a liberdade de expressão do proponente, nada posso comentar sobre os demais pontos. 

Em tempo: Padilha se intitula, na assinatura do e-mail encaminhado para a Semuc, diretor presidente do Polo Cinematográfico de Maringá (que não se manifestou sobre o tema) e recentemente se reuniu com o governador Ratinho Junior pleiteando apoio para esse empreendimento. 

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