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Por Caio Henrique Lopes Ramiro
No dia 29 de abril do corrente ano, a América Latina e, quiçá, o mundo, receberam uma notícia pouco auspiciosa. José Alberto Mujica Cordano, mais conhecido como Pepe Mujica, ex-presidente uruguaio, anunciou que luta contra um câncer no esôfago.
No momento mesmo do anúncio, Pepe recupera alguns daqueles que parecem ser os motes de sua “suprema” vida, para parafrasear o diretor do belíssimo documentário El Pepe, a supreme life, Emir Kusturica. O primeiro deles, um de seus lemas, o de lutar para ingressar nas filas daqueles que sabem triunfar.
Neste sentido, ao que parece, o ex-presidente apresenta um poderoso fundamento de sua reflexão e de sua forma de vida, isto é, sua forma de estar no mundo. Recupera algumas de suas meditações que têm por destinatários aqueles mais jovens, em especial aqueles destes últimos que já se encontram amplamente envenenados pela ideologia neoliberal da concorrência individualista e do desempenho, o que significa uma não aceitação que gera sofrimento e adoecimento pelas quedas experimentadas no caminho.
A trajetória de Pepe é a de um cidadão comum, marcada pelo trabalho e o esforço desde muito jovem, ao lado de sua mãe, tendo em vista a morte de seu pai. Foi um combatente das guerrilhas, militando no MLN-Tupamaros, tendo sido lançado nas “tumbas” como refém da ditadura uruguaia. Não obstante, após a saída do sombrio período ditatorial, tornou-se presidente da república (2010-2015) e, doravante, foi eleito senador (2015-2018). Por aqui, poderíamos notar uma trajetória de sucesso. Todavia, Pepe – com seu modo simples, que para ele significa ser sóbrio e carregar uma bagagem leve -, desde algum tempo coloca a questão: do que falamos quando pensamos em sucesso?
Na recente entrevista, discorrendo sobre seu estado de saúde, retoma uma reflexão direcionada à juventude para afirmar a beleza da vida. A vida é bela, mas se desgasta! Contudo, ao que parece, o alerta de Pepe não coloca no horizonte o temor da finitude, mas, isto sim, a procura por uma outra forma de vida, uma maneira de estar no mundo em que se reconheça que o “cerne da questão, ter sucesso na vida, é recomeçar toda vez que alguém cai”. Por aqui, a beleza da vida se conecta a pensar a liberdade como vontade e o uso que fazemos dela.
Desse modo, é preciso se libertar, com vontade, de uma imagem da vida que a aprisiona em uma dinâmica estúpida de concorrência, que enaltece uma busca pela felicidade na apropriação, esta última, falsamente possível, pela via de uma dedicação integral ao trabalho. Para Pepe é preciso encontrar tempo para as nossas “loucuras”.
Assim, as frustrações ocasionadas por esta dinâmica ideológica do nosso tempo geram adoecimento e raiva, algo que deve ser combatido e transformado em esperança, pois conforme alerta Pepe “a vida é tão bonita que não faz sentido sacrificá-la pela estupidez”. Logo, em muitas ocasiões o alerta de Pepe dialoga com Sêneca ao afirmar que pobre é aquele que precisa de muito e, além da lembrança do estoicismo, afirma com os Aimará que a pobreza está naquele que “não tem comunidade, o que está condenado a estar cercado de solidão”.
Ouçamos este alerta com atenção, para resistir à estupidez de uma vida na pobreza da solidão e, ainda, para pensar em outras formas de vida possíveis.
Vamos Pepe!
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