Manifestos e despedidas

Começar essa coluna foi um grande desafio. Passada a adolescência, a maior parte da minha produção literária foi técnica. Quer fossem homilias, sempre baseadas em um exercício exegético; quer fossem textos técnicos, voltados exclusivamente para pessoal de desenvolvimento de software, eram textos analíticos, fundamentados em algum cabedal teórico, reproduzindo de forma didática o que mestres e doutores da área disseram antes. E agora eu tinha que dar a minha voz.

Não sou do tipo que acredita em isenção. Especialmente no jornalismo. Quem escreve, sempre o faz dentro de suas perspectivas. A isenção em uma matéria pressupõe a documentação de algo que está no mundo das ideias de Platão; um platonismo que a minha maturidade não se dá o luxo de ter. E foi assim que, ao longo dos últimos meses, compartilhei com vocês a minha visão do mundo da tecnologia.

Enquanto escrevo, no dia 06 de março de 2022 (deixo a data para a posteridade), o mundo vive um boom de digitalização. A internet está acessível a grande parte das pessoas, os microprocessadores tornam-se componentes comuns a maior parte dos equipamentos, levando inteligência até mesmo para o interruptor de luz. O mercado de tecnologia está aquecido, com um déficit enorme de profissionais. Quem trabalha com tecnologia hoje tem a perspectiva de ter salários bem acima da média nacional.

Fora do mundo binário, no entanto, vivemos em um mundo em crise. O fantasma da guerra está batendo na nossa porta. A extrema-direita, com todos os seus neo-ismos, ganha fôlego novo, assumindo o poder em vários países ao redor do globo. E por falar em globo, vivemos uma evidente desvalorização da ciência, com pessoas acreditando em tonterias como “terra plana”, “chip em vacinas” e outras mitomanias. 

Embora pareça um paradoxo – uma sociedade tão digital ser descrente da ciência – não me parece tão estranho. As pessoas, infelizmente, não são capacitadas pela vida a serem interdisciplinares. De modo que temos biólogos que creem na geração espontânea – algo já superado por Pasteur – geógrafos que acreditam em terra plana e médicos que não acreditam em vacina. Então não é de se estranhar que tenhamos cientistas da computação que não acreditem na ciência.

Essas duas tensões me fazem entender que estamos em um turning point da história, que nos dá algumas opções de futuro: Ou rumamos para uma distopia high-tech, nos moldes de Blade Runner, Years and Years, Akira e Ghost in the shell; ou rumamos para uma utopia, também high-tech, como Star Trek. 

Uma convergência de saberes nos levaria para o segundo cenário. A construção de uma sociedade iluminada, ilustrada, que utilizaria dos avanços da tecnologia para construir – ao invés de destruir – superando a ganância em prol do bem comum. Afinal, o planeta inteiro não é suficiente para a ganância de uma pessoa. Todavia, olhando o mundo hoje, me parece que estamos indo de embalo para o primeiro cenário.

A culpa não é da tecnologia em si, mas da sua desumanização, da falta de reflexão filosófica, ética e da aferição dos impactos sociais causados por cada linhas de código que escrevemos. Me preocupam esses avanços, que avançam sozinhos, sem levar a sociedade consigo. Isso nos trouxe ao cenário atual. Isso nos levará para as temidas distopias.

É por isso – e por conhecer todo o potencial social positivo da tecnologia, que por várias vezes abordei aqui – que acredito cada vez mais que, em última instância, deveríamos reorganizar as cadeiras acadêmicas, proporcionando um conhecimento mais holístico do mundo, do que um conhecimento utilitarista/trabalhista. Se eu fosse escrever um manifesto sobre tecnologia, com certeza teria o título: “por uma tecnologia mais humanista”.

E onde entra a “despedida” mencionada no título?

O tom testamental deste artigo não é acidental. Você deve ter percebido que nas últimas semanas, não tenho conseguido manter frequência de publicações. O que não é justo, principalmente com você que aguarda semanalmente os textos na coluna – e também atrapalha o SEO do site.

Quando aceitei escrever para o Maringá Post, estava passando por uma transição de carreira. Eu deixava de ser desenvolvedor para me tornar um dos arquitetos de software da maior cervejaria do planeta. Assumir mais esse compromisso, me deixou deveras assustado. Mas com o apoio da família e da Fernanda Tasim topei o desafio. Agora, porém, ele cobra o seu preço.

Os assuntos, temas, borbulham no lago plácido da vida, mas o que me falta é o tempo para dedicar na escrita, na curadoria dos temas e das palavras – afinal, não quero parecer um extraterrestre falando coisas ininteligíveis para você que me lê. E por isso hoje me despeço da coluna Tech Post do Maringá Post, buscando investir agora em projetos pessoais (entre eles, o descanso e o ócio).

Quero deixar registrado aqui o meu agradecimento a Fernanda, pelo convite. Espero ter correspondido a altura com os temas abordados na coluna. E também meu carinhoso obrigado para a Kris, jornalista, por ter sempre abrilhantado os textos com suas sugestões. E especialmente a você que me acompanhou até este momento. Não espero que tenha concordado sempre comigo, mas que ao menos tenha conseguido te levar a questionar algumas coisas.

Eu ainda continuo on-line. Você pode acompanhar minha produção técnica através do www.blogdoft.com.br, onde postarei os links para vídeos, podcast e outras participações no mundo digital. Espero encontrar vocês por lá!

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