Open Source na berlinda

Por: - 26 de janeiro de 2022

Nos últimos dias, um acontecimento movimentou a comunidade de desenvolvimento de software. O autor de duas bibliotecas muito utilizadas no mundo inteiro (mais de milhões de downloads por semana), simplesmente inutilizou ambas, afetando milhões de sistemas ao redor do mundo. 

O motivo? A internet tratou de inventar os seus. Disseram que era porque Marak, o autor, teria sido despejado e precisava de dinheiro para pagar o apartamento em que morava. Outros disseram que era uma forma de protesto contra as grandes corporações, que usam software livre, e não contribuem financeiramente para causa. Já o autor postou em suas redes a enigmática pergunta: O que realmente aconteceu com Aaron Swartz? O vídeo abaixo explica melhor o assunto (em inglês):

The Dark Side of Open Source // What really happened to Faker.js? – YouTube

Para você que não está entendendo o que é uma “biblioteca de software”, imagine que você está escrevendo a monografia do seu TCC. Você recorre a vários livros e os cita no seu texto. Escrever um software é mais ou menos a mesma coisa. Escrever tudo, do zero, exigiria um time imenso, e com profissionais com os mais diferenciados níveis de conhecimento. O que fazemos é reaproveitar soluções que já foram escritas e testadas antes. Continuando com a nossa alegoria com a monografia, imagine se para cada citação, por menor que seja, você fosse obrigado a comprar o livro inteiro?

Enquanto o mercado de software se baseia justamente no princípio de “compre a minha propriedade intelectual”, o Open Source propaga a ideia de que a produção de conhecimento tecnológico deveria ser aberta, pública. E antes que algum “pseudo-liberal” venha dizer que isso não faz sentido, o conhecimento aberto não implica necessariamente que ele é gratuito. Há diversas formas de capitalizar o conhecimento, que não seja apenas através do sequestro de propriedade intelectual. Mas este é assunto para outra coluna. 

O caso é que o impacto da manifestação feita por Marak, chamou a atenção para um fato que, para muitos de nós, passa desapercebido: O Open Source viabilizou o mundo que vivemos hoje. Duvida?

Comece a pensar em um mundo sem Open Source. Que ingestor de logs você utiliza? Elastic Search? Você não tem mais! RabbitMQ, Mosquitto, Apache Kafka? Esquece. Aliás, todos os produtos Apache também não existiriam! Internet das coisas? Também não existiria mais. Chega de geladeira avisando que a cerveja está no ponto. Esqueça a Alexa, aliás! Teríamos nuvem? Ainda estaríamos presos aos data centers. Agora imagine ter que comprar uma licença do Windows para cada pod que a sua aplicação utiliza? Ah! Também não teríamos Kubernetes e o Docker seria pago também. 

Se você não entendeu nada do parágrafo acima, eu explico com poucas palavras: Se não fosse o Open Source, a maior parte das pessoas desenvolvedoras estariam desempregadas. E em termos de tecnologia, estaríamos até hoje sem internet – porque o protocolo utilizado para você acessar este site, também é aberto.

É fácil apontar para Musk, Bezos ou Zuckerberg e perguntar “o que vocês têm feito para o código aberto?”. Eles estão longe de nós, afinal. Agora, abra a sua carteira. Não importa a logomarca que estampa os seus cartões de crédito/débito. Eu sei que ali reside uma pegada de Open Source. E eu tenho quase certeza que, apesar dos bilhões de aporte e de lucro, pouco – ou nada – essas instituições oferecem de retorno para a comunidade de open source. Nem financeiramente ou tecnicamente. E se quiser ser mais pessoal ainda, investigue na empresa em que você trabalha. Quanto de Open Source é utilizado e quanto de saving isso rende para a empresa.

Para mim é difícil fazer juízo de valor sobre a ação de Marak. Seria possível manifestar-se de maneira menos ruidosa? Com certeza sim. Mas a história recente desse país nos mostra que, quem faz manifestação sem querer perturbar a ordem, tem mais compromisso com a ordem vigente do que com o povo que se manifesta. Fizesse de outra forma, o grito de Marak não teria sido ouvido.

Também não me parece certo empresas faturarem bilhões, sem dar o devido crédito ou retorno para a comunidade do código aberto. Eu sei que isso pode parecer um paradoxo, afinal quem abre o código e o distribui gratuitamente, em última instância, o faz porque quer. Todavia me parece muito a cena em que o intolerante se aproveita de ingenuidade do tolerante, para assim tomar o poder e impor o reinado da intolerância (como a história recente do nosso país, novamente, corrobora).

 Concluo esse texto, convidando você que me lê a refletir sobre esses assuntos. Mas não o faça na solitude da sua consciência. Convide as pessoas que trabalham com você e compartilhe com elas as suas impressões. Levantar o assunto e conscientizar pessoas é sempre tão – ou mais – importante do que dar dinheiro. A consciência forma a classe e muda o mundo.

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