Olhando ao redor, experimentamos com nenhuma estranheza o mundo em que vivemos. Até que, nas ruas ou na TV, você observa algo que incomoda: Um homem vestindo saias, por exemplo. Sua mente gasta alguns milissegundos para absorver aquela imagem e enquadrá-la em algum sistema de pensar. “Ah, mas em alguns países é normal que homens usem saias. Então tudo bem”.
Faz parte da construção da cultura e da sociedade a naturalização de comportamentos. O que é novo e estranho para nós, será dado como natural para a próxima geração. Para a maior parte das pessoas da minha geração, computadores sempre foram um big deal. Para as crianças que nasceram nos últimos dez ano, smartphones existiram desde a criação do mundo.
E se é assim com as “coisas”, de igual forma também acontece com a cultura. Pense em algo simples: como você faz para conhecer pessoas? Para a geração anterior à minha, seria algo impensável conhecer e casar com alguém que se conheceu pela internet. Eu encontrei minha esposa no facebook. Hoje temos aplicativos específicos para encontros e paqueras: chamados Grindr ou Tinder (alguns acrescentarão o LinkedIn).
A este fenômeno chamamos de Construção Social. Por mais que seja dada como “natural”, a cultura é um construto; obra das interações – positivas ou não – entre as pessoas de um grupo. Quando tomamos consciência disso, que a cultura está em constante evolução, ela perde esse aspecto determinístico, naturalístico, biológico e torna-se moldável pelas nossas ações. Espera: biológico?
Sim. Eu tenho certeza absoluta de que você já ouviu algo como “mulheres são melhores nisso ou naquilo porque são mais detalhistas”; “mulheres são assim porque são mães”; “essa é uma característica do feminino”. Há um subtexto nessas afirmações, que tenta naturalizá-las sob um argumento biológico, como se estivesse escrito nos cromossomos X que o lugar natural da mulher seja na cozinha, longe de qualquer atividade exclusiva dos homens – como as ciências exatas, por exemplo. O que, é claro, não faz o menor sentido mesmo com tanta gente defendendo esse mesmo discurso.
Basta olhar as fotos da colação de grau. São poucas as mulheres que aparecem no rol de formandos. E antes que digam “ah, é que mulher não gosta de exatas/TI”, pergunte-se o quão amistoso era o espaço para ela? O quanto das suas necessidades sociais eram supridas no ambiente estudantil? Nós homens nunca passamos pelo desprazer de um professor “tocando acidentalmente” nossa mão no mouse para “explicar uma coisa”, nem fomos sarrados nos bancos escolares. Não chegamos em casa e vamos cuidar das crianças, arrumar a casa, fazer comida, estudar e ainda ir para o trabalho de manhã. Não somos desdenhados em sala por não saber algo que – na cabeça de alguém – seria natural que soubéssemos, acompanhando do comentário “aqui não é lugar mesmo pra homem, viu?”. Ou ainda coisas mais sutis, como não ser escolhido para um grupo de seminário só por ser mulher.
Sabe o que é mais triste? Nada do que eu disse acima é uma hipérbole ou “fanfic”. Eu vi isso acontecer no curso técnico e no ano da faculdade de TI que cursei. Mas o problema não começa nas cadeiras da academia. Começa no quarto de quem fica o computador. Nas brincadeiras e brinquedos dados desde a infância. A naturalização da cultura começa desde o parto, absorvendo os construtos sociais que estão disponíveis. Quem cresce sendo chamado de “incapaz para isso”, acaba por acreditar nessa mentira.
Este agora seria o momento em que eu recuperaria alguns nomes de mulheres importantes para a tecnologia. Uma lista que basta você dar uma googlada e facilmente encontra disponível na internet. E isso é bem legal, afinal representatividade importa. No entanto, eu convido você a olhar para o seu lugar de trabalho e reconhecer as mulheres que trabalham contigo. Quem são elas? Qual foi o percurso profissional delas? Que outras mulheres elas conhecem e que são suas referências? Reflita sobre as respostas que encontrar.
Para quem trabalha em empresas preocupadas com diversidade, provavelmente você vai encontrar pessoas que dirão: “Ah, eu entrei por meio de um programa de incentivo a diversidade” ou coisa do gênero. Este é um fenômeno que tem acontecido no mercado de trabalho. Anos depois de toda polêmica envolvendo as cotas raciais, o mercado de trabalho FINALMENTE parece entender que a diversidade pode gerar muito lucro. E não só lucro social, mas lucro efetivo. No entanto, mesmo assim, ainda reside um sentimento negativo em relação a esses programas de diversidade.
Eu percebo esses esforços das empresas como uma forma de construir uma cultura de diversidade, que seja inclusiva. Esses esforços, no entanto, precisam ser realmente inclusivos para que o público-alvo não se sinta “um estranho no ninho” (mas esse é assunto para outra coluna). Fora das empresas, também surgem cada vez mais os grupos dedicados a incluir pessoas de determinados gêneros e classes sociais, desconstruindo a cultura excludente que diz que “esse lugar não é para você”.
Lembra quando falamos que a cultura pode ser construída? Ações como essas constroem um novo mundo. E talvez muita gente hoje ainda veja a mulher na tecnologia como veem um cara de saia na rua: com algum estranhamento. Mas conforme uma cultura digital, realmente diversa e inclusiva, é criada, para as próximas gerações essas imagens serão o novo natural.
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