Pouco depois do Cigano Igor encontrar a Cigana Dara no chat Uol, e um pouco antes do “Bug do Milênio” ser #trendtopics, eu tive o meu primeiro contato com computadores. Foi em uma pequena escola de informática, em Franca, no interior de São Paulo. A “PC Open” me ajudou a perder o medo do computador, me ensinando digitação (e sim, eu digito com os dez dedos) e todo o pacote office, DOS, Windows 3.1, Windows 95, Windows98 e Photoshop.
Naquela sala, todos os computadores eram iguais e tínhamos acesso a todos eles. Menos um Desktop da IBM. Imponente frente os 486 e os AMD K6-2, aquele computador era utilizado apenas pelos alunos mais avançados e pelo Eliéser. O que Eliéser tinha de especial? Além de sócio da escola, ao lado do seu irmão Aleyr, ele também era programador! E na Enterprise – nome dado ao big-blue, de lataria amarelada – estava instalada a versão 3 do Delphi: Um programa de fazer programas.
De “rabo de olho”, eu ficava vendo Eliéser programar. Ele arrastava uns desenhos, escrevia umas coisas. Parecia que ele tinha o poder místico de enxergar além do véu; a verdade que jazia escrita atrás das janelas dos programas. E foi assim, mediado pelo fascínio, que tive o meu primeiro contato com programação; o meu primeiro contato com Delphi.
Alguns anos depois, na grade do curso de informática, encontrei Delphi entre as matérias listadas. Obviamente prestei o vestibulinho e fiz o curso. Ao passo que seguiram as aulas, eu passei a entender o que os amigos do Eliéser conversavam lá na escola. Como aquele tal de “VB” era tão mais lento que Delphi, por conta dos drivers de acesso a dados… E conversas sobre benchmark e etc, etc, etc…
Uma pausa para explicar para você que me lê: naquela época, as comunidades eram – na sua maioria – físicas. A gente precisava se encontrar fisicamente, indo até o local de trabalho do coleguinha, para sanar uma dúvida. Não existia o google, então somente através de fóruns e indicações diretas é que a gente conseguia alcançar alguma informação. Isso é pra você ter ideia de como as coisas mudaram desde então.
A vida, porém, é cheia de encontros e desencontros. Minha família resolveu mudar-se para o interior do Pará. Eu que já havia sido mordido pelo bicho da tecnologia, não via prazer em morar em um lugar, esquecido por Deus e pela tecnologia. Voltei para o interior de São Paulo, com as roupas do corpo e a promessa de um amigo: Havia uma vaga de emprego pra mim, e era uma vaga de Delphi – matéria em que me destaquei no curso técnico. E esta foi a primeira vez que Delphi me salvou.
Fiz meu nome. Comecei ganhando R$ 150,00. Mas a minha participação nos fóruns e apoios na comunidade – que nessa época já era por e-mail – chamou a atenção de outra empresa local. Assumi outra vaga como desenvolvedor ganhando agora R$ 750,00 reais!!! E assim, fui arrumando a minha antiga casa, me preparei para receber minha mãe de volta. Na empresa, ganhei muita experiência, atuando em todas as fases do desenvolvimento de software. Agile? Ninguém sabia o que é isso. Eu só queria trabalhar com sistemas distribuídos! Fiz a minha primeira aplicação “na nuvem” utilizando SOAP e Delphi.
A vida, porém, é uma caixinha de surpresas. E mesmo tudo estando muito bem, larguei a área de programação e fui viver uma experiência religiosa. A vida tem que ser mais do que apertar botões, eu pensava. E foi por esse caminho que encontrei uma faculdade de teologia renomada. Morei na fronteira com o Paraguai e na capital do Mato Grosso do Sul. Entretanto, estar do outro lado da máquina me fez perder o encanto. E mais uma vez me vi sem um teto sob minha cabeça. Contei com a ajuda de amigos, que hoje chamo de família. Mas também contei com a ajuda do Delphi. Não mais a versão sete, que eu tanto amei, mas a versão Seattle!
O mundo tinha mudado. Quando eu saí da área de tecnologia, não havia nada parecido com smartphone. E agora o Delphi produzia executáveis para rodar no Android! Eu tinha muito para aprender, logo realizei. Mas não posso negar que conhecer Delphi deixou o caminho muito mais tranquilo para mim. A curva de aprendizado foi pequena. E logo eu estava prestando serviço para uma das maiores empresas de software do país, desenvolvendo software jurídico para os maiores tribunais. E todo o código escrito em Delphi.
Agora é a hora que você pergunta: mas por qual motivo ele está me contando essa história? Há 27 anos, a Borland lançava a sua primeira edição do Delphi. Baseado no Turbo Pascal, seria uma solução visual para a construção de aplicações visuais para Windows. Há 27 anos, um grupo de engenharia de software desenvolveu a ferramenta que – ao lado de amigos, família e comunidade – me serviu de instrumento de libertação e sobrevivência. Eu duvido que Anders Hejlsbeg, criador do Delphi, imaginou que a sua ideia impactaria a vida do menino acanhado, lá do interior de São Paulo.
Esta coluna, hoje, é uma homenagem a esta ferramenta, tão importante na minha vida e na vida de muitas outras pessoas! Meus votos de que a Idera, atual mantenedora do produto, sinta orgulho de impactar positivamente tantas vidas ao redor do mundo. Vida longa ao Delphi! Viva!
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