Quem nunca, não é mesmo? Preciso ser sincero, afirmando que eu mesmo já menti. E embora eu gostaria de dizer que nunca mais mentirei, se o fizesse, estaria automaticamente mentindo novamente. Mentir é um grande traço da cultura brasileira. Nós, o povo do “inho”, parecemos ser incapazes de dizer a verdade. Sobretudo quando ela incomoda. Sobretudo quando ela pode desagradar alguém e sobretudo quando esse alguém é a sua chefia.
Obviamente não estou falando de mentiras ou ocultações de maior escala. Como dizer que a vacina causa HIV, por exemplo. Tão pouco me refiro aquelas mentirinhas (olha o diminutivo aí) inocentes, quando você diz que aquele corte de cabelo está lindo, sem que de fato ele esteja. Pense no projeto em que você trabalha. Quando foi a última vez que você mentiu? Qual foi a última mentirinha que você contou e nem percebeu? Posso listar algumas que você nem percebeu?
“Vou fazer um esforcinho a mais”. Não, você não vai. E o motivo é simples: se você diz que vai se esforçar um pouquinho mais, automaticamente está dizendo que não vem dando tudo de si diariamente. E pior: é justamente por não estar dando tudo de si que o projeto se encontra atrasado. Afinal, porque não fez esse esforcinho – que você é capaz de fazer – durante todo o projeto? A verdade é que você já está dando 100% de si. E não, em se tratando de pessoas, não existe 110%.
“Prazo? Te entrego atééééééé, deixa eu ver, sexta”. Para que uma verdade seja dita é preciso uma base sólida o suficiente para garantir a afirmação. Em desenvolvimento de software, somos interpelados por prazos a todo o momento. E quanto maior a pressão, maior a chance de assumir compromissos impossíveis de serem cumpridos, apenas para não chatear a outra parte. Você dá aquela data, assume a entrega daquela funcionalidade, mas no fundo sabe que não vai conseguir entregar. Todas as pessoas podem até sair sorrindo, mas todas saem perdendo.
As pessoas de tecnologia perdem em credibilidade, afinal não cumprem o que prometeram. As pessoas de produto perdem, porque não conseguem entregar o que prometeram, ou entregam algo “meia-boca”, abaixo das expectativas do usuário. Perdem também os usuários do sistema, por motivos óbvios. Agora coloque na ponta do lápis o custo financeiro envolvido na cobertura dos gastos com ambiente, possível retrabalho no desenvolvimento, da equipe envolvida no lançamento da versão. Sem contar também a economia que deixou de existir por conta de uma entrega não feita – ou mal feita.
“Ah, FT, mas isso não é mentir” eu quase posso escutar a sua mente, lutando com todas as suas forças, contra a palavra “mentir” nesse contexto. Parece tão inapropriado, não é mesmo? Mas se mentir é ferir a confiança, é faltar com a verdade, beira a traição, é quebra de expectativa, é roubo… Quando mentimos, seja sobre um prazo ou sobre o estado real de um projeto, não é exatamente isso que estamos fazendo? Quando você diz “eu entendi”, sem de fato ter entendido, toda uma cadeia de desenvolvimento é afetada.
Para saber o custo de uma mentira, pense em todas as pessoas envolvidas na cadeia de desenvolvimento. Tente imaginar o custo-hora de cada pessoa. Agora lembre-se que toda demanda precisa ser refinada, codificada, revisada, testada e validada. Cards precisam ser escritos, documentações atualizadas, tarefas repriorizadas. Energia elétrica, custo de processamento, armazenamento. Pense também no custo intangível de confiança, stress, realização, contentamento. Multiplique isso pelo retrabalho causado por um “entendi” não confirmado, ou por um “sim” descompromissado. Eis aí um custo aproximado de uma mentira.
Cenários como esse, de “mentirinhas inocentes”, são abordados logo nas primeiras páginas do livro “O Codificador Limpo”. Segundo Robert Martin, o autor, cometer essas pequenas mentiras fazem diferença entre uma pessoa desenvolvedora amadora e a profissional. Profissionalismo implica em saber o impacto e o custo envolvido em cada compromisso assumido. E, sem dúvida, assumir as suas consequências.
Se mentir é coisa de amador, as pessoas realmente profissionais estão preocupadas em sempre falar a verdade – ou o mais próximo dela. E o caminho para a verdade tem as métricas como GPS. Métricas de qualidade, métricas de delivery, métricas de fluxo, métricas de retrabalho. Essas e mais outras métricas fornecem um retrato muito detalhado e próximo da realidade do software.
Se as métricas do time apontam que são entregues quatro histórias por semana, dificilmente ele conseguirá entregar oito no mesmo período. Sem uma boa arquitetura, ou qualidade de código, qualquer alteração pode se tornar mais complexa do que realmente aparenta ser. Perceba que olhar para apenas duas métricas simples é o suficiente para ter duas informações cruciais. Imagine ter à mão um número maior delas?
Também é importante considerar que as métricas permitem avaliações menos subjetivas. Subjetividade é um problema quando a expectativa é assertividade. Se você não entende o que eu estou falando, experimente fazer compras durante a hora do almoço. Com o estômago vazio, a tendência é comprar mais “bobagens”. Você acha que uma pessoa cansada – ou com pressa para ir ao banheiro – vai te dar prazos mais, ou menos, exatos?
Mentir custa caro e é um tremendo amadorismo. Falar a verdade dá trabalho e pode deixar algumas pessoas infelizes com você por um tempo. Mas no final do dia, elas vão te agradecer. Por isso a minha recomendação para você, hoje, é: Seja profissional e nunca um amador remunerado.
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