Se você pertence à “bolha dev no twitter”, deve saber que toda semana temos uma série de discussões rolando. Algumas são repetidas e vazias, outras são realmente relevantes e valem a pena a discussão. Dessa vez resolvi trazer uma delas para a coluna, por achar uma discussão realmente relevante. O tema é: A área de TI é inclusiva? O pomo da discórdia nasceu a partir da afirmação de que a área não é inclusiva por conta da utilização do inglês – tanto em documentação, quanto na codificação. Como era de se esperar, outras pessoas aprofundaram a questão e o twitter só falou disso o final de semana inteiro.
Antes de apresentar meu ponto de vista, preciso dizer duas coisas. A primeira, sem dúvida, é o quão positivo é termos essa discussão no nosso meio. A discussão, por si só, pode levantar uma série de reflexões sobre o nosso papel e nossa identidade – a definição de quem somos – na sociedade. A segunda é que antes de iniciar qualquer discussão sobre inclusão, é preciso estabelecer primeiro sobre o quê realmente estamos falando. Conceitos que, pelo que pude perceber, estão bastante misturados.
Começando pela diversidade, estamos falando de uma característica atribuível a um ambiente. Um ambiente que se define pela não-homogeneidade de pessoas. Você pode argumentar – e com razão – que pessoas, por si só, são diversas. Todavia, algumas características nos tornam mais, ou menos, iguais. Podemos pensar em aspectos simples, como o sotaque, por exemplo, que é compartilhado entre pessoas que vivem em uma localização em comum. Mas também de aspectos mais complexos como orientação sexual, classe social, etnia e tantos outros. A presença, ou ausência, dessas características ditam o quão diverso é um ambiente.
Se por um lado a diversidade adjetiva um ambiente, por outro, inclusão é sobre elencar e executar ações que tornem um ambiente diverso. Mas diferente do que se imagina, não se trata apenas de abrir vagas para PCD, minorias sociais ou pessoas em fragilidade econômica. A inclusão, além de oferecer oportunidades para grupos diversos, também se preocupa em construir ambientes em que essas pessoas sintam-se acolhidas, respeitadas e representadas. Isso se dá através de ações que procuram modificar o ambiente fisicamente – como portas amplas que permitam o trânsito de cadeirantes – e também socialmente, com o estímulo de discussões de gênero, por exemplo.
Definições à mesa, podemos voltar ao tema: a área de tecnologia da informação é inclusiva? Dado que a inclusão pressupõe ações que levem a diversidade, e uma ação pressupõe a existência de uma pessoa (física ou jurídica), como seria possível afirmar que qualquer área – e não só a TI – é inclusiva? Sequer temos uma entidade de classe que possa representar essa massa intangível chamada “área de TI”. Do ponto de vista lógico, não é possível, portanto, afirmar que a área é inclusiva.
Porém, se a pergunta foi mal formulada e a intenção era saber se a maioria das empresas de TI são – ou não – inclusivas, podemos responder sem medo de errar que elas não são. É possível contar nos dedos as empresas brasileiras (e não apenas as de TI) que efetivamente promovem a inclusão de pessoas diversas. Isso tende a mudar por uma questão de mercado, e porque cada vez mais as empresas percebem o valor agregado em possuir times cada vez mais diversos, mas ainda não vivemos esses dias.
O que nos resta então é perguntar se a área de TI é diversa. E mais uma vez a resposta seria negativa. Basta que você entre em um consultório ou até mesmo em empresas cuja o foco seja o desenvolvimento de software. A maioria das pessoas desenvolvedoras são homens, brancos e cisgêneros. As poucas mulheres ocupam cargos de gestão do time (como SCRUM master) ou estão empenhadas na execução de testes e/ou assistência, treinamento e afins. E mesmo assim, nunca são a maioria. A raridade aumenta quando pensamos em pessoas PCD, negros, LGBTQIA+ e até mesmo pessoas oriundas de classe com menor poder aquisitivo.
O que a TI é, então? De todos os atributos, eu apenas seria capaz de conferir o de “acessível”. Para começar a programar – a não ser que você queira começar desenvolvendo para os gadgets da Apple – não é necessário um supercomputador. É possível aprender a programar com os modelos mais simples de computadores disponíveis no mercado. Também é necessário internet para assistir aos cursos gratuitos, que estão disponíveis no youtube e outras plataformas de vídeo. É óbvio que você não irá se tornar um desenvolvedor sênior apenas com essas ferramentas. Mas sem sombra de dúvida, essas podem ser as portas de entrada para esse mercado de trabalho.
Evidentemente um computador simples e internet, por mais barato que pareçam ser, não estão totalmente acessíveis para todas as camadas sociais. E a pandemia, deixou ainda mais evidente o déficit de equipamentos computacionais e de acesso à internet em meio a população brasileira. Ainda assim, TI está mais acessível quando comparada a outras profissões, que oferecem o mesmo nível salarial ou até inferior. Felizmente (ou não) esse problema seria facilmente solucionado com políticas públicas que fomentem esse mercado. Desconto no acesso a equipamento, inclusão do ensino nas escolas públicas, criação de centro de formações entre tantos outros incentivos que já abordamos nesta coluna.
Contudo, ao falar apenas de equipamento, estamos tratando a questão apenas através do viés prático. Ainda paira a falsa impressão de que a área de exatas é apenas para homens e de que apenas homens são bons programadores. E quando afirmações como estas se tornam parte do discurso social, por mais que uma garota possua um computador com acesso a internet, dificilmente ela desenvolverá interesse pela área. Existe sim uma construção social por trás do desenvolvimento de interesse na área de tecnologia, que perpassa pela percepção de que qualquer pessoa pode desenvolver um software.
Tecnologia possui sim um potencial enorme de transformação de histórias. E quanto mais esse potencial for colocado em ação, mais diversa e inclusiva a área como um todo será. Entretanto, ainda há um longo caminho até que possamos dizer que a área de TI é inclusiva e diversa.
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