Parlapatão. Encontrei essa palavra enquanto procurava o significado exato de charlatanismo. Diferente de charlatão, que é quem promete curas de maneira infundada, parlapatão, dentre outras definições, é a pessoa que seduz através da mentira. Não me refiro à sedução sexual, mas sim ao convencimento que provoca algum tipo de cegueira lógica; é como não beber água há dias e ser convencido a beber água do oceano. Todos sabemos que isso só aumentaria a desidratação. Mas a sede é tanta que… Vai que alguém errou? Talvez a água nem esteja tão salgada.
O Brasil é uma nação nova, com um processo de construção histórica muito diferente do da maioria dos outros países. E mesmo como democracia, somos ainda mais jovens. Se hoje você tem a impressão de que a faculdade está acessível, não era bem assim há 30 anos. Fazer faculdade era um sonho reservado para poucos. E para algumas camadas sociais, ainda é inalcançável.
E se antes ter um diploma superior era a garantia de bons empregos, hoje isso não se traduz em verdade. Os diplomas estão engavetados, e não são poucos os mestrados que hoje dirigem Uber, ou se são CeLeTistas, veem seu contracheque ser inferior ao de profissionais com bem menos formação escolar. As respostas a essa situação são muitas. E elas vão desde a deslegitimação do estudo, da academia e do conhecimento, chegando até causar o êxodo de área de atuação. E imagine para qual área essas pessoas estão migrando? Isso mesmo: Tecnologia.
Eu não julgo quem faz isso por encontrar sua vocação na área de tecnologia. As histórias por trás do “canudo de papel” são muitas. Mas não consigo não ficar preocupado quando vejo uma pessoa, que fez especializações, mestrado, doutorado numa área X e de repente, vira desenvolvedora de software. Eu realmente acredito que, pelo menos a maioria das pessoas que estão entrando nessa, não o fazem movidas por uma escolha existencial. O que os move é a pura e simples necessidade.
E é aqui que o Parlapatão encontra seu espaço.
A internet está repleta de cursos, com promessas bastante ousadas. Recentemente um sujeito lançou um curso com o seguinte slogan: “Com este curso, você pode conseguir um salário de até 20 mil reais ou mais”. E segundo consta, ao ser interpelado sobre a realidade dessa proposta, a resposta foi algo do tipo: “de zero até vinte mil, qualquer valor está valendo. Não estou enganando ninguém”.
Embora possamos questionar o caráter de quem faz esse tipo de propaganda, o fato é que ela não nasce do nada. De tempos em tempos, as revistas de negócios e mercado de trabalho, soltam a famosa “matéria fria” a respeito do mercado de TI. O tema, em geral, são variações a respeito de como esse mercado “paga bem” e como são altos os salários. E é assim que o nosso amigo de 20 mil consegue um eco para a sua propaganda. Afinal, a conceituada revista XPTO garantiu que é possível ganhar vinte mil ou mais. O problema é que essas afirmações não poderiam estar mais distantes da realidade.
É preciso que se diga, em primeiro lugar, que existem empresas de TI com vários modelos de negócio diferentes. E cada um desses modelos oferecem oportunidades e salários distintos. Eu não tenho números para mostrar, mas a percepção que eu tenho, baseada nas inúmeras pessoas que eu conheço e nos meus 17 anos de carreira, é de que a maior parte das pessoas que trabalham com desenvolvimento de software, não ganha muito além do que dois salários mínimos, quando muito, três. Estamos bem longe dos 20 mil prometidos no início.
E agora alguém talvez pense que “3 salários já é bastante acima da média”. Eu posso até concordar, mas retruco dizendo que: não é a pessoa de TI que ganha bem, são as outras que ganham muito mal. E pensando na média, eu me pergunto: porque ganhamos acima da média? É por conta do valor da nossa entrega ou por conta da baixa mão de obra? O que acontecerá quando houver mão de obra sobrando?
Isso quer dizer que é impossível ganhar os 20 mil? Não é. Todavia, para ter salários altos como esse, você precisa estar na área há já um tempo, ter bastante experiência e conhecimento, ter softskills bem desenvolvidas e ter bastante responsabilidades. Ou trabalhar em um lugar que, muito provavelmente, vai te deixar doente.
Para concluir, quero deixar dois recados. O primeiro é: Não se deixe enganar por fórmulas mágicas. Nenhum curso, coaching, treinamento, oração ou benzimento vão fazer você ganhar mais do dia pra noite. Como em todos os outros mercados, apenas experiência e estudo constante podem te garantir ascensão salarial e de carreira.
Já o último recado é: Tecnologia é muito legal e divertido. Nada paga o prazer de ver um sistema seu sendo utilizado pelas pessoas. Para você que está transitando para a área de TI, o seu conhecimento é muito bem vindo. Precisamos urgentemente de diversidade nesta área, de pessoas que, além de escrever código, possam trazer questões éticas, sociais, plurais para os comentários do código. Mas espero que essa transição seja feita por gosto e não baseada em uma proposta irreal, de metas salariais distantes da realidade. Em ambos os casos, estou à disposição para ajudar. Sem parvoíces ou parlapatices.
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