Por que a área de tecnologia tem tanto gerador de conteúdo?

Por: - 8 de setembro de 2021

Dia desses vi um comentário nas redes sociais que me fez lembrar de algumas coisas do meu tempo de criança. O comentário era a reclamação de que, aparentemente, para ter sucesso na área de tecnologia, tornou-se obrigatório ser gerador de conteúdo. Segundo essa compreensão, quem não tem um blog, canal no youtube, live na twich, perfil no instagram (tudo bem, vocês já pegaram a ideia) não tem boas chances no mercado de trabalho. A minha lembrança, eu conto a seguir.

Dez anos após termos chegado à Franca, no interior de São Paulo, e termos morado em uma casa de telhas, finalmente tínhamos a casa própria. Era uma casa de cômodos espaçosos, como eram as casas de antigamente, com destaque para a copa. Lá residia, impávida e colossal, nossa mesa de jantar. Ela tinha a impossível missão de acomodar a todos em volta de si, sustentar os pratos e dar suporte às nossas melhores memórias.

Mas acontece que as famílias crescem. Com casamentos, filhos e agregados, a mesa ficou pequena demais. As pessoas tinham que comer nos outros cômodos da casa. Quando percebeu isso, meu avô não pensou duas vezes. Em um dos poucos meses de férias que teve na vida, tomou uma marreta e derrubou parte da parede que dividia a copa da sala. Ficou bonito até. Hoje chamam isso de “conceito aberto”. Meu avô chamou isso de “assim todo mundo come junto”.

Nos últimos anos parece que também quebraram uma parede. A quarta parede, que costumava separar o público da mídia, ruiu e já não separa mais nada. O público participa da fantasia e a fantasia está sentada na sala de estar, vendo TV e reclamando do calor. Hoje, enquanto navegamos pelas redes sociais, assistimos a vídeos de gente muito parecida conosco. O que reforça ainda mais a impressão de que a mídia também é o nosso espaço. E porque não seria?

Eu percebo, não posso negar, que há uma pulsão narcisística dentro de cada streamer. E cada like colhido pelo conteúdo, serve para alimentar a latente necessidade de aprovação. E antes que você pense que isso é uma crítica, não é. Esses sentimentos são extremamente comuns aos seres humanos.  Apenas destaco esta percepção por achar muito difícil que a “possibilidade de melhor posicionamento no mercado de trabalho” seja a força motriz por trás das câmeras. Os exemplos que poderiam sustentar esta tese são pontuais, raros eu diria. Ou seja: não justifica.

Na área de tecnologia não seria diferente. Também temos os narcisos fascinados com a mídia. No entanto, existe uma cultura nesta área que antecede a era do “vai se tratar, garota”.

 

Você, jovem, não deve se lembrar do Altair. Nos primórdios da informática, computadores não eram vendidos em lojas. Eram vendidos em revistas do gênero “faça você mesmo”, especializadas em eletrônica digital. O Altair 8800 foi um dos primeiros microcomputadores vendidos por preço acessível à população. E foi a partir dessa caixinha que a dupla de Steves (Wozniak e Jobs) revolucionou o mundo através da Apple Computadores. O resto é história.

   

É muito interessante perceber que, a área de Tecnologia da Computação, tem a sua manjedoura instalada na “seção do leitor”. A cultura da troca de conhecimento, portanto, está presente na informática desde o primeiro transistor. E é justamente essa troca de conhecimento que vem revolucionando a área até hoje. Não fossem as iniciativas de software aberto, por exemplo, viveríamos em outro mundo. Cloud computing, o sistema operacional do seu celular (se for Android), a base de software que sustenta as maiores empresas de informática, é toda aberta e gratuita!

Quando eu vejo alguém da área de tecnologia abrindo o seu canal, investindo em um blog, se permitindo interagir com pessoas através das suas redes sociais, ajudando neófitos em suas primeiras linhas de código… O que eu vejo é a continuação desse ciclo. O que em algum momento foram artigos em revistas, também já foram apostilas e hoje são os vídeos de 20 minutos no youtube ou as lives na Twitch.tv. Além do espelho narcisístico, também há uma cultura fortemente presente na comunidade tecnológica.

Hoje a TI presencia um êxodo nunca antes visto. Pessoas de todas as idades migram para a área de tecnologia, procurando refugiar-se dos subempregos, que são regra no nosso país. Essas pessoas que geram conteúdo, especialmente voltado para quem está começando, são como meu avô. Fazem das plataformas de streaming uma marreta e quebram as paredes que separam as pessoas do mundo digital. O “olá querido dev-espectador, dev-espectadora”, que começa uma transmissão on-line, também é uma forma de dizer: “assim todo mundo come junto”.

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