Amanhece o dia. Você checa a hora no celular e vê, ao lado do relógio, a notificação de novos -e-mails. Entre as “malas-diretas” está lá uma notificação de novas vagas no mercado de trabalho. Você rola a tela e encontra uma vaga, ou empresa, que te interessa. Clica. Chora. A lista de requisitos para a vaga é enorme. Por quê? Alguém realmente sabe tudo isso?
Quando “tudo era mato” na área de tecnologia e desenvolvimento, os profissionais eram quase sempre, o que chamamos de fullstack: eram responsáveis pelo desenvolvimento do software, atendimento ao cliente, manutenção dos bancos de dados, analista, UX-designer (o que explica muito a internet da época) – ainda que a sua principal habilidade fosse escrever programas.
Com o crescimento do mercado, os detalhes começaram a ganhar proeminência. Passou-se a falar de ergonomia em relação ao uso de sistemas; acesso a partir de qualquer lugar do mundo – incluindo o celular; velocidade na execução das tarefas; sem falar nos inúmeros detalhes de infraestrutura que garantem o funcionamento de tudo isso. Se em meados dos anos 90 era comum sair com uma caixinha de disquetes, atualizando o sistema no computador de cada usuário, hoje isso é impensável. “Não é escalável” é a primeira frase que vem na ponta da língua.
Minha percepção, observando as vagas anunciadas no LinkedIn, é que cada vez menos as empresas procuram por profissionais fullstack. Pelo menos aquelas que levam seus negócios a sério. Por mais que no fim seja tudo código, o produto final de um especialista sempre será considerado superior, se comparado com o feito por uma pessoa que está tateando o caminho das pedras. Tanto por limitações de conhecimento quanto de carga cognitiva.
Isso não quer dizer que o profissional fullstack deixou de existir. O mercado o reinventou. E hoje é chamado de Profissional em “T”. A letra T, nesse caso, serve apenas como um auxílio visual, para transmitir a ideia. Essa pessoa tem maior profundidade de conhecimento numa área específica (a linha vertical da letra T), mas também tem um conhecimento superficial em outras áreas, representado pela linha horizontal da letra.
E aqui começa a resposta a pergunta feita por nove entre dez pessoas da área de tecnologia: Eu preciso saber tudo? A pessoa que sabe tudo não existe. O que está no plano do possível, por outro lado, é saber para quê algumas tecnologias servem e como elas funcionam. E se possível, saber “brincar” um pouco com aquela tecnologia. Permita que eu explique:
Saber “para o quê serve”, por mais que aparentemente seja algo simples, não é. Não raramente vejo pessoas desviando a função original de um software, utilizando-os para um fim o qual não foram projetados. O que eu costumo chamar de “violação semântica”. Um sistema desenhado para guardar dados voláteis, que se perdem com o simples desligamento do computador, não pode ser utilizado como meio de persistência final, por exemplo.
Já o “saber como funciona”, proporciona outros níveis de interação e de melhora do uso, além de ajudar a tomar a decisão correta entre este ou aquele software. Recentemente escrevi uma série sobre Kafka no meu blog técnico. E um dos artigos era justamente explicando como o Kafka funciona. Esse conhecimento é vital para que não se escreva código além do necessário, ou saiba escolher melhor as opções. Como pode ver, caso acesse o artigo, não entro em detalhes de implementação. Apenas compartilho com o leitor o funcionamento básico, sem utilizar uma linha de código.
“Brincar” por sua vez, é uma palavra que eu gosto muito de usar. Primeiro porque trabalhar com tecnologia, para mim, é algo realmente divertido, lúdico. E segundo porque a brincadeira é um espaço de aprendizagem. Durante a brincadeira, a criança aprende a socializar, a contar histórias, a ganhar e perder. E a pessoa de tecnologia aprende brincando. Portanto, quando eu digo que alguém deve ser capaz de ao menos brincar com tal tecnologia, não espero que essa pessoa seja uma especialista. Mas que conheça o mínimo. Quem brinca demonstra curiosidade, disposição para aprender, autonomia, criatividade… Tudo o que realmente se espera de quem trabalha com tecnologia.
Então por qual motivo as vagas estão cheias de requisitos? Sinceramente, talvez falte curadoria. A vaga nasce da gestão e é divulgada ou pelo RH ou pelo marketing da empresa. Em todos os casos, essas pessoas não são obrigatoriamente versadas em tecnologia. Percebe a quantidade de ruído na comunicação? Acredito piamente que se as empresas destacassem, ao menos uma pessoa do seu “chão de fábrica”, para descrever as vagas, complementando o trabalho que é feito pelo setor de recrutamento, elas contratariam muito mais e melhor.
Se você chegou até aqui, provavelmente já passou por essa situação de não se candidatar para uma vaga, achando não ter todos os conhecimentos pedidos. Meu conselho? Candidate-se. Quem deve dizer o “não” é a empresa e não você.
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