A empresa como lugar de trabalho “divertido” é funcional?

Por: - 7 de julho de 2021
empresas apostaram no “ambiente de trabalho” como diferencial. Mesa de bilhar, videogames, decoração nerd tornaram-se quase “itens obrigatórios” nos escritórios. Porém, com a pandemia, esses novos itens perderam grande parte da sua relevância. Principalmente com a adoção maciça do home-office, cada vez mais o corpo-funcional das empresas passou a ocupar um espaço, não raramente improvisado, dentro da sua própria casa. O lugar de trabalho mudou. Será? 

Como parte do esforço na captação e retenção de novas pessoas colaboradoras, muitas empresas apostaram no “ambiente de trabalho” como diferencial. Mesa de bilhar, videogames, decoração nerd tornaram-se quase “itens obrigatórios” nos escritórios. Porém, com a pandemia, esses novos itens perderam grande parte da sua relevância. Principalmente com a adoção maciça do home-office, cada vez mais o corpo-funcional das empresas passou a ocupar um espaço, não raramente improvisado, dentro da sua própria casa. O lugar de trabalho mudou. Será? 

Para construir melhor essa reflexão, talvez valha a pena entendermos primeiro o que é um lugar, ou ainda, o que é um “não-lugar”. Marc Augé, um etnólogo francês, foi quem cunhou esse termo. Para ele, um “não-lugar” é um espaço totalmente vazio de sentido. Nesse “não-lugar” não se constroem histórias ou relações profundas. As pessoas podem ser completamente anônimas e as relações com o espaço são completamente instrumentalizadas. 

Pense em um grande supermercado, por exemplo. Você não conhece as pessoas; elas pouco significam para você; o relacionamento com elas é momentâneo (se existir) e mediado pelo seu vale alimentação. Se por acaso o mercado fechar, a minha maior chateação será de ir em um lugar mais distante. Se abrir uma outra rede no mesmo espaço, tudo bem. Vamos torcer para que seja mais barato.

O mesmo pode ser dito de muitas empresas. Não são poucos os gestores que ainda têm percepções antiquadas a respeito de suas “firmas”. Os que pensam o seu espaço de trabalho como uma grande linha de produção, com a gerência no andar superior, vigiando os proletários apertarem os seus botões. Não estimulam as interações interpessoais; contam o tempo gasto no cafezinho, este momento sagrado em que nos lembramos, ainda que por um instante, que não somos apenas engrenagens. O mais perto de um toque humano está na biometria da máquina que afere o ponto de trabalho.

O problema de espaços tão impessoais é que eles adoecem as pessoas. Imagine-se vivendo um terço da sua vida em um espaço tal como esse, onde a alteridade é proibida? Onde não existem relacionamentos, não existem raízes que prendam e alimente o estímulo a continuar naquele espaço. E assim, qualquer vento de proposta, é capaz de levar a tão rara pessoa a ser colaboradora em outra empresa, onde talvez, possa construir raízes, histórias e significados.

E no afã de mudar a cara do seu negócio, vejo empresas no mesmo movimento descrito no início do artigo. O trágico é que não perceberam que, no final das contas, não é o videogame, a mesa de pebolim e sinuca que fazem a diferença, mas sim as histórias construídas em torno da mesa. E ainda, de que adianta ter tudo isso à disposição se não é permitido usar com liberdade?

Neste ponto, a atuação do “departamento relacionado a gente” se faz importantíssima. Dentro de uma empresa de tecnologia, são essas as pessoas com maior competência para pensar “espaços criadores de histórias”, que transformam o ambiente corporativo em um local acolhedor, berçário de relacionamentos. Criar esse ambiente onde é possível viver a alteridade e, vejam só, aprender a ser pessoas melhores e saudáveis psicologicamente. Enfim, além de uma marca e uma folha de pagamento, um lugar!

Hoje este desafio, de transformar um “não-lugar” em lugar, toma dimensões ainda maiores. Vivemos a tardia adoção do home-office, e diante desta realidade não dá para reduzir o remote-first a diretriz de reuniões remotas. É preciso pensar em criar “lugares” virtuais, cuja criação de sentido alimente a relação com a empresa e os colegas de trabalho. Onde as pessoas, apesar da virtualidade e da forte mediação digital, não se anonimizam ou criam personagens para si. Mas que sejam pessoas. Como atingir esta meta? É uma resposta que eu ainda não tenho.

E neste momento quebro qualquer traço de impessoalidade deste artigo, ao relatar que estou eu mesmo vivenciando os efeitos da mudança de lugar: Como se diz no jargão do LinkedIn: “Vou encarar novos desafios”. E foi no processo de tentar entender por que foi tão difícil aceitar a nova proposta, que me deparei com os estudos de Marc Augé. Tenho ótimas lembranças e construí relacionamentos profundos com muitas pessoas do meu antigo trabalho. E quando penso nas propostas que recusei, percebo que foram justamente as raízes criadas que me impediram de sair mais cedo.

É bem verdade que, muitos de nós nos fechamos para o mundo entre a primeira e a última batida do ponto. Uma porta que se fechou por conta de experiências passadas e que causaram algum tipo de trauma. Para você, fica o meu conselho: procure se abrir e se relacionar com o espaço de trabalho e com as pessoas ao seu redor. Uma foto na sua mesa, o copo de tereré, um papel de parede diferente podem ser o começo de uma nova relação com as pessoas ao seu redor e o seu lugar de trabalho. Quando essa porta se abrir e o carpete do escritório for mais do que um gerador   de alergias, você vai ver: a jornada diária vai ficar um pouco mais leve.

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