Às vezes o armário também pode ser um lugar seguro 

Mas antes, uma pergunta: quando é que uma pessoa heterossexual avisa para a família e os amigos que nasceu assim?

O título deste texto pode parecer contraditório para quem lê de relance. E chega a ser engraçado, LOGO EU, escrever esse tipo de coisa, pois como um lugar com tanta poeira de preconceito, ácaros da sociedade e bastante apertado para que se caiba, pode também me permitir proteger quem sou? É o que eu quero tentar explicar aqui.

Um dos primeiros conselhos que eu costumo dar para quem quer sair do armário (ou contar quem é desde pequeno, porque se hetero não sai do armário, porque a gente sairia?) é esse: ter minimamente uma forma de existir no mundo, sobretudo financeiramente – numa sociedade capitalista, isso é importante, infelizmente. 

Algumas perguntas, como sugerem este post no Instagram (que também me inspirou a escrever este texto), são necessárias: seus pais precisam saber disso agora? Você tem quantos anos? Eles sempre se demonstraram preconceituosos  e você acredita que sua sexualidade será um problema?

Por isso é tão importante buscar algum tipo de apoio prévio, pois tudo pode acontecer: desde aceitação até expulsão da casa. É uma situação difícil (por isso eu falo que o armário às vezes pode ser um lugar seguro, mesmo que não confortável), porque para ter orgulho de ser quem você é, minimamente você precisa estar vivo(a) e bem para isso. Não é ficar lá para sempre, mas o tempo necessário para sair com segurança. Eu acredito que é uma hospedagem que pode ser aceita até que se consiga realmente abrir a porta e sair.

Eu me permito sugerir 3 outros conselhos, além do que está no começo do texto, que podem ser úteis quando alguém quer falar sobre aceitação, sair do armário, contar para a família e passar por esse processo transitório – e tão impositivo quanto – de simplesmente ser quem você é:

 

  • Prepare-se para, possivelmente, ser afastado do seu convívio familiar. Algum membro dela poderá dizer coisas horríveis, a níveis estratosféricos, como: “não ter criado filho pra ser viadinho, filha para ser sapatão, homem nasceu homem, mulher nasceu mulher e nem Deus pode mudar isso”; infelizmente, precisamos aprender a sermos pessoas adultas desde muito cedo e meio que criar uma casca para o tanto que agressão que sofremos. Então, saiba que é possível passar por um momento, curto ou longo, de extenso estranhamento e afastamento das relações afetivas.
  • Deixe uma rede de apoio preparada e avisada da notícia – se possível, com amigos(as) e ainda mais, se preferível, que estes amigos(as) possam te acolher. Quando estiver decidido mesmo a falar sobre isso com o núcleo familiar, deixe algumas pessoas avisadas. Pode ser que, além de se afastar de você, alguém tente fazer com que pessoas que estão próximas também se afastem, como forma de retaliação.
  • Busque ajuda e apoio profissional psicológico, se conseguir, como consultas com psicólogo(a) ou afins. O momento vai exigir bastante, pois infelizmente é de um tremendo desgaste – e, para além das consultas regulares com psicólogos(as), pode-se recorrer à outras maneiras, como o Centro de Valorização a Vida, as clínicas-escolas das universidades (caso sua cidade tenha, ou você consiga entrar em contato por meios digitais), atendimentos com psicólogos que trabalham as consultas sociais.

No entanto, o maior conselho é: mantenha-se no máximo de segurança possível. Não confunda segurança com comodismo, pois de novo: eu acho que, na vida, temos o direito de sermos quem somos sem amarras, mas quando tudo é feito no momento oportuno, a passagem é mais tranquila.

Perguntei recentemente para uma amiga muito querida: “até quando vai ser difícil pra nós falarmos uma coisa que deveria ser tão simples?” Não sei. Mas enquanto isso, eu quero o máximo de pessoas possíveis perto de mim vivas, vivendo em segurança até que, um dia, isso não seja mais um medo.

Ficar no armário não é o destino final, mas pode ser um caminho; até garantir sua segurança para passar por este processo, que pode ser menos doloroso.

 

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