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O catolicismo é a religião predominante no Brasil. Estima-se que 57% da população do país é católica, segundo dados do Datafolha. Isso coloca o Brasil como um dos países católicos mais fervorosos do mundo.
Porém, muitas tradições do início da Igreja Católica ainda persistem, colocando em jogo a liberdade de expressão e fé religiosa da comunidade LGBT. Com as mudanças sociais acontecendo a todo o tempo, novas possibilidades se abrem dentro da tradição da fé, bem como acontece o surgimento de novas formas de agradecer a Deus e enaltecer a alma.
Em 2013, o representante supremo da Igreja Católica, Papa Francisco, disse em entrevista que “se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?” Além disso, o Papa ainda disse que “é preciso integrá-las à sociedade”, tornando a entidade que representa aberta ao discurso de integração e disposta a rever conceitos.
“Respeitamos, acolhemos. São seres humanos com direitos e deveres iguais”
O arcebispo da Catedral de Maringá, dom Anuar Battisti, ressalta que trabalhar de forma efetiva para modificar o panorama frente às mudanças é essencial para incluir a comunidade excluída e as minorias que, dentro do contexto, tanto precisam de fé e amor. Ele ressalta que promove isso de forma acalentadora. “Respeitamos, acolhemos. São seres humanos com direitos e deveres iguais.
Nós não vamos pela opção sexual de cada um, vamos pela pessoa. A pessoa tem que ser respeitada como ela é”, destaca. Perguntado sobre a criação da Pastoral da Diversidade, o arcebispo diz que o projeto está em andamento e precisa de uma base sólida para se desenvolver. “Esse projeto praticamente não saiu do papel, porque estávamos colhendo várias experiências pelo Brasil. Preferimos, de momento, apoiar essa comunidade de maneira especial, do que criar uma pastoral sem saber aonde iremos chegar.”
Sobre a diversidade sexual, Battisti pontua que o debate frente a esse cenário com a igreja deve ser sempre em um ambiente saudável e que propicie a discussão com base em resoluções. “A fé manda amar a todos como Deus ama. Toda prática de exclusão, de julgamento e de preconceito não faz parte do evangelho”, ressalta.
O reverendo Célio Camargo, fundador da Igreja das Comunidades Metropolitanas (ICM), em Maringá, reitera o compromisso da organização com o acolhimento de pessoas da comunidade LGBT. Camargo, que já participou de pastorais em outras comunidades cristãs, conta que a decisão de fundar a igreja partiu da própria experiência como excluído da participação dentro da tradição.
“A ICM veio da necessidade do acolhimento pessoal e da visualização dessa necessidade em outras pessoas. Era necessário que as minorias, as travestis e toda a comunidade LGBT se sentisse protegida dentro desse espaço da fé”, conta. Ele revela que, por ser uma igreja especifi camente acolhedora da população LGBT, não há nenhuma difi culdade com os fi éis dentro da igreja. “Nós entendemos um Cristo que chama à todos. ‘Venham, sentem-se, a mesa é para todos’. Então, os fi éis da igreja sempre procuram a espiritualidade, o temor a Deus e a fé interior, não importando a orientação sexual, e sim o caráter.”
Em relação às travestis, que procuram a igreja como forma de reiterar a fé por vezes perdida pelas condições a que se submetem, o reverendo reforça a necessidade do acolhimento e inclusão. “Acolhemos as travestis, por vezes trabalhadoras do sexo, que chegam à igreja e participam da comunhão. Para nós, importa acalentar e dizer: ‘Olha, somos iguais na dor, na angústia, na tristeza e nas alegrias’. O Cristo é igual para todos.”
“Se eu falo que Jesus foi travesti, foi trans, todo mundo fica aterrorizado”
O pastor também reforça a utilização da Teologia Queer (pensamento alusivo ao comportamento e gêneros LGBT). “As pessoas têm preconceito com travestis, mas se eu falo que Jesus foi travesti, foi trans, todo mundo fi ca aterrorizado. Jesus se travestiu de homem, deixando seu lado divino para poder vir, e transgrediu a lei humana para poder ser homem no meio de nós”, explica.
Dentro desse contexto, a psicóloga e pesquisadora na área de identidade de gênero Daniele Fébole salienta que ofuscar a participação de uma pessoa dentro de qualquer espaço social ou religioso é categorizar o indivíduo apenas pela própria identidade de gênero ou orientação sexual. “Existem mulheres e homens trans, mas isso não defi ne a sexualidade por outra pessoa, ela pode gostar do mesmo gênero ou de gênero diferente”, explica. Ela relata que o pensamento atual é assolado porcostumes que impõem regras, o que pode difi — cultar a luta para que a discussão sobre gênero aconteça.
“Nascemos num mundo dividido em gênero. Você tem um guarda roupa específi co para o menino e outro para a menina; tem a cor rosa e tem a cor azul”, compara. A psicóloga vai além ao exprimir o que acontece dentro das igrejas, expressando a forma de como são tratados os homens e as mulheres e como é inexistente a discussão dentro desse âmbito. “A forma que a igreja enaltece a mulher já é totalmente machista. Quando você vai acompanhar o casamento, o homem representa a imagem de Cristo, e que é ele quem toma as decisões, e a mulher tem quer ser submissa a ele.”
Esta grande reportagem foi publicada originalmente no dia 03/08/2016, junto das demais reportagens na edição impressa especial do Jornal Matéria Prima, denominada Iguais na Diferença, que pode ser acessada na íntegra clicando aqui.
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