Como a máscara da invencibilidade sigilosa faz com que o afeto entre homens gays seja massacrado pelo segredo e pelo medo do desconhecido?
Para quem, assim como eu, já utilizou ou utiliza aplicativos voltados para relacionamentos homoafetivos – como o Grindr, por exemplo – já se deparou com uma particularidade: perfis sem informações, sem fotos e sem nome. É quase como se fosse um vulto virtual: não se pergunta nada, apenas é despejado o desejo sexual e inteiramente carnal.
E não, pelo contrário, não tem problema: o aplicativo é de pegação. Aquilo ali não é o hall de entrada de um salão de festas de casamento, mesmo. Ninguém tá ali especificamente para encontrar o amor de suas vidas – por mais que seja possível: o objetivo do aplicativo é, inclusive, este mesmo. A descrição dele, na real, é essa: Grindr é um aplicativo de rede social e um serviço de namoro online para homens homossexuais, bissexuais, pessoas trans e pertencentes da comunidade queer.
Mas existe uma característica presente de maneira muito forte no Grindr, mas que não é somente uma característica do aplicativo, que é o sigilo. Diversos usuários do aplicativo optam por estar sempre no sigilo: é proibido pedir foto de rosto. Perguntar sobre informações básicas, como o próprio nome. Não se pode querer saber o básico da outra pessoa do lado da tela, e olha que estou falando sobre básico mesmo. Não é questão de saber se a pessoa prefere bar ou balada: é quem você é. Qual seu rosto? Quem está aí? Assunto proibido.
Novamente: eu já falei aqui, nesta coluna, sobre o armário ser, às vezes, um local seguro. Eu entendo – de forma empática mesmo – que existem pessoas LGBTQIA+ que realmente estão no aplicativo “escondidos”: não é revelada a identidade porque a sexualidade em si ainda é uma questão a ser deliberada. E tudo bem. Eu acredito que a segurança e integridade física e social precisa mesmo ser garantida. Mas e nos casos onde o sigilo é usado como ferramenta para bloqueio de demonstração física de afeto?
Meu ponto é tentar traduzir o porquê: qual a razão de o sigilo entrar na frente de algo que deveria ser natural/naturalizado? Não é motivo de vergonha: você está em um aplicativo de pegação, a outra pessoa também, existem interesses em comum, as partes estão dispostas a algo e tá tudo certo: não é vergonha. Está tudo bem. E aqui, parece até intransigente demais falar esse tipo de coisa pois eu poderia facilmente ser rebatido com o argumento de “tá, mas às vezes a pessoa só quer ser mais discreta mesmo, cada faz o uso da rede como quiser”, e é isso! Maravilha, concordo plenamente.
Mas você, que me lê aqui, consegue compreender que, no meio disso tudo, existe uma relação de causa e consequência? O sigilo é colocado como entrave para que o afeto não possa existir. É a validação de que algo de errado está sendo feito: nós crescemos acreditando que somos errados. Aí, quando entendemos que não somos o erro, somos obrigados a acreditar que nossas atitudes são erradas – e essa é uma pauta, inclusive, que eu acho curiosíssima dentro das religiões. Pastores e padres têm uma pergunta que eu acho engraçadíssima, que é: “Você é gay, certo. Mas você tem contato com outros homens? Porque o impulso de ser gay é uma coisa, pensar na homossexualidade, mas se você não pratica ela, o pecado não é consumado”. Gente, é MUITO curioso pensar nisso! Como eu sou algo, mas não pratico esse algo? E é nessa comparação que essa relação do sigilo x afeto mora: você pode ser gay, mas não pode se relacionar com outro homem. Você pode estar em um aplicativo de pegação, mas não pode se mostrar por completo. Você pode querer conversar e sair com outro homem, mas na encolha. Você sabe que, ao encontrar este homem, você vai conhecê-lo e ver pessoalmente, mas online, isso é proibitivo.
No resumo, fica proibido e é proibitivo ser você. Tudo isso faz com que a gente entenda, somente, que você não pode ser quem é, tampouco ter os desejos que tem, muito menos fazer das suas ações algo que você realmente quer. É aquele limbo: você sabe o que quer, mas fica escondido. Sente que é proibido. Isso diminui a percepção sobre afeto e trocas: é a perpetuação de continuar entendendo sempre que, no frigir dos ovos, você realmente está fazendo algo errado. Frustrar a expectativa de viver algo real.
Mas quero lembrar: fica tranquilo(a), pois não está.
Os comentários estão fechados, mas trackbacks E pingbacks estão abertos.