Tal qual um dos questionamentos no filme, com o que ainda estamos nos enganando?
O Alyson me mandou uma mensagem depois de ter assistido um dos tantos filmes que prestigiou durante a 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. Disse ter visto Deserto Particular, e saído quase que atordoado da sala. Falou que nós precisaríamos assistir o quanto antes, caso o filme aterrissasse em Maringá – gentilmente conhecida por não trazer filmes de cunho mais crítico/social/LGBT/qualquer coisa que não interesse mercadologicamente a lotação das salas de exibição. Mas Deserto Particular chegou a Maringá. E nós fomos ver.
Um dos pedidos que o Alyson tinha me feito era que não lesse a sinopse do filme, ou vasculhasse muito sobre ele antes: pega e vai. Esse era o encanto. E por mais que alguém curioso como eu pudesse burlar o pedido, tomado por uma certa ansiedade que me fez martelar o porquê dessa regra específica, aceitei: fui com a cara e com a coragem para a sala de cinema.
Até para vir aqui depois de ter assistido e falar sobre ele é difícil. Não por conta do roteiro ou da história – que, pelo contrário, é um banho de sensibilidade, amor e vida sem tamanho – mas por conta de como o filme mexe violentamente com diversas questões que são extremamente presentes na vida de uma pessoa LGBTQIA+, sobretudo homens gays.
Para tentar fugir dos spoilers, eu vou tentar transformar este texto em um repositório de perguntas. Na verdade, vou abrir meu coração pro mundo, mais uma vez, e explorar as perguntas que eu fiz para mim mesmo, na minha mente, enquanto cena-a-cena banhava os meus olhos diante daquilo que eu assisti e não vou saber explicar por muito tempo.
Os nossos corpos merecem amor? A nossa personalidade merece ser amada? Qual é o rio que está prestes a arrebentar com as barragens dentro de mim? Todo LGBTQIA+, alguma vez, já quis estar em um corpo diferente? Nós pertencemos aos nossos corpos? Se fôssemos do sexo oposto, as coisas seriam mais fáceis? Porque é ensurdecedor perceber que estamos recebendo carinho? Porque é dilacerante perceber que o carinho que entregamos passa por tantos obstáculos?
Certa vez, no documentário Bixa Travesty, que conta a história e trajetória de uma das maiores cantoras vivas do Brasil – e o fato de ela estar viva é um ato de resistência, Linn da Quebrada disse que ela cresceu entendendo que o corpo que ela ocupa era objeto de vergonha. Ora: como pode ser orgulhoso um corpo que só é utilizado na surdina? Se o nosso sexo é praticado às escondidas, como deixar de entender que somos dignos de aparecer?
A Bianca Dellafancy, drag queen e youtuber, também já fez esse questionamento em algum dos vídeos do canal dela.
Eu acredito muito nesse papel do cinema: o do ato, do pensar, do incômodo, das inquietações. O filme fez exatamente isso comigo. Eu, provavelmente, vou ainda pensar por muito tempo sobre o que senti ao ver cena por cena deste espetáculo. Espero compartilhar com vocês tudo isso, é claro.
Deserto Particular é, de longe, um dos melhores filmes de toda a história do cinema brasileiro.
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