Nós nunca vamos parar de matar pessoas trans?

Por: - 25 de novembro de 2021

O Brasil está em primeiro lugar, com 41% de todas as mortes de pessoas trans no mundo inteiro; é sufocante pensar que não tem ninguém olhando realmente para isso como um verdadeiro problema

 

Nesta semana, eu vi (mais uma vez) um relatório da Transgender Europe (TGEU), divulgado no Brasil pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), agora em novembro deste ano, que fala sobre a taxa de assassinato mundial de pessoas trans. E (mais uma vez) me vi voltando para 2017, onde produzi um material especial para a rádio CBN Maringá, ainda na faculdade, falando exatamente sobre o indicador que se repetia naquele ano: o Brasil é o país que mais mata pessoas trans e travestis no M-U-N-D-O!

Os dados referentes a essa última divulgação mostram que 41% de todas as mortes no M-U-N-D-O foram registradas aqui no Brasil. Entre 1º de outubro de 2020 e 30 de setembro de 2021, foram registrados 375 assassinatos. E é válido lembrar que este número está de acordo com as redes de apoio e organizações não-governamentais responsáveis por trazer mais realidades aos fatos, já que oficialmente notificadas, o Brasil teve 125 assassinatos. E se a gente realmente levar em conta os assassinatos não notificados como crime de LGBTfobia, esse número é ainda maior.

Em 2017, quando eu realizei este material sobre o mesmo assunto para a rádio, os números eram: de 2008 a 2014, 604 travestis mortas no Brasil. Se fizemos pela média, 100 pessoas eram mortas a cada ano. Estamos falando, em 2021, da metade de um número que havia sido alcançado em 3 anos, só que agora em apenas um.

De quando eu tive contato com os números, em 2017, para agora, são 4 anos de diferença. Não evoluímos nada neste período?

Desde 2017, também, a ANTRA faz o monitoramento dos dados no Brasil. E nenhum investimento ou qualquer ação foram pensadas pelo estado para enfrentar a violência contra a população trans no país. Ou seja: não há, hoje, deliberadamente construído em plano de governo, ações que protejam a vida dessas pessoas. Não é do interesse do poder público proteger essas pessoas? O que os governos federais, estaduais e municipais querem das pessoas trans? E o que querem para as pessoas trans? 

Pessoas estão morrendo pelo preconceito, e infelizmente, de forma literal. Mas há muito mais preocupação em proibir o uso da linguagem neutra no país do que proteger vidas. Esse é o interesse.

E parece muito pesado ler o título deste texto e pensar “nós? mas eu não mato pessoas trans”. Só que nós matamos, sim. Matamos quando, em uma roda de amigos, ouvimos piadas sobre “travecos” e não revidamos, deixando de pensar “como alguém pode ser confortável em falar isso perto de mim?”. Matamos pessoas trans e travestis quando, pelo menos, não levamos esse debate à frente, como este aqui, buscando conscientização em massa. A gente não precisa revolucionar no braço: nós precisamos é somente nunca desistir.

Mas vamos aos fatos em resumo: os dados atualização em 2021 pela TGEU//TransRespect, e divulgados pela ANTRA, mostram:

– 96% dos assassinados em todo o mundo eram mulheres trans ou pessoas transfeminadas;

– 58% das pessoas trans assassinadas cuja ocupação é conhecida eram profissionais do sexo;

– Os assassinatos de pessoas trans nos Estados Unidos dobraram em relação ao ano anterior;

– Pessoas de racializadas representam 89% das 53 pessoas trans assassinadas nos EUA;

– 43% das pessoas trans assassinadas na Europa eram migrantes;

– 70% de todos os assassinatos registrados aconteceram na América Central e do Sul;

– 36% dos homicídios ocorreram na rua e 24% na própria residência;

– A idade média dos assassinatos é 30 anos;

– A mais jovem tinha 13 anos e a mais velha tinha 68 anos.

– Brasil tem 41% de todos os casos

A Lady Gaga tem uma música chamada “Til It Happens to You” (que, inclusive, indico que se possível, assista ao clipe junto). E ela diz: “Até isso acontecer com você, você não sabe como me sinto. Até isso acontecer com você, você não saberá, não vai ser real para você”. E mesmo que a realidade da violência não seja a que nós vivemos, eu pergunto: Qual a responsabilidade das pessoas cis na violência que as pessoas trans sofrem?

Será que não estamos mesmo matando pessoas trans também?

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