Há uma linha muito tênue que separa o diálogo que busca levar o entendimento daquele que é usado para se defender; o preconceito se equilibra nesta linha
Na vida de uma pessoa LGBTQIA+, é comum – mesmo que infelizmente – viver uma realidade de culpa: a gente se culpa por ser quem somos, até entendermos que é exatamente sendo quem a gente é que nos diferenciamos. Que somos únicos(as). Vivemos essa culpa porque ela nos é entregue. Uma amiga me disse, certa vez, que pratica o exercício de entender aquilo que é de si mesma e aquilo que disseram que era dela, e isso me marcou muito. O que é realmente nosso e o que disseram que é?
Puxando o gancho de tentar entender aquilo que dizem que é nosso, no meio dessa culpa toda que nos é esfregada na cara e as vezes arranca sangue, deixa o olho roxo ou quebra um dente, tem uma questão adicional que nos é dada de bandeja geralmente depois da prática de um ato LGTBfóbico: a culpabilização da vítima.
Quando uma pessoa pratica algum ato de LGBTfobia, caminha junto com ela a percepção de que fez isso por não ter instrução. “Porque onde eu nasci, eu fui criado(a) assim. Meu círculo social é desse jeito, não é normal ver esse tipo de coisa de onde eu vim”. Esse “tipo de coisa”, na maioria esmagadora das vezes, pode ser até o fato de uma pessoa simplesmente ter um jeito específico de andar ou, pior: estar somente segurando a mão de quem ama.
Só que quando esse discurso é colocado na mesa, ele valida a ideia de que falta, além de respeito, noção da parte do outro(a). Será que realmente não passa pela cabeça do agressor(a) que não é necessário ter um PhD em questões de gênero e sexualidade, é só preciso ter um pouco de noção? É como tentar explicar para o adolescente espancado na saída do colégio, em Maringá, que ele sofreu essa violência porque antes não explicou aos agressores de que fazer isso era errado. A culpa sempre é do agressor(a).
Quando alguém diz que praticou algum ato de LGBTfobia por não ter instrução, essa pessoa responsabiliza a vítima duas vezes: pela prática que acabou de deflagrar, pois se foi preconceituoso(a), foi porque a pessoa agredida é diferente e ainda mais: responsabilizando essa mesma pessoa por ter se deixado violentar, já que não disse que aquilo fazia mal, como se fosse necessário mostrar que a agressão é algo errado. Então a culpa recai duas vezes – na violência sofrida e na falta de ter sido pedagogo de adulto e ensinado que agredir alguém é errado.
A pessoa LGBTQIA+ sofre violência e ainda é culpada por ter sofrido essa violência. Eu concordo que quanto mais instrução sobre determinado assunto, mais noção sobre ele se cria. Mas quando você fere a dignidade do outro, isso está muito mais ligado com respeito e empatia do que necessariamente só com o fato de entender a sexualidade ou o gênero. Tudo bem crescer em um ambiente que não possibilitou ter contato com aquilo que é diferente de si próprio(a), mas nessa altura do campeonato, com determinada idade, já dá para mexer os palitos e começar a compreender algumas coisas por conta própria se a pessoa já se intitula como adulto(a). Já não se é mais criança para ser ensinado sobre tudo.
Faz seus corres.
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