Para falar sobre a linguagem neutra, não precisa desdenhar

Existe um abismo entre conscientizar sobre as formas para  incluir de maneira didática e ser preconceituoso exatamente falando da mesma coisa

Nos últimos tempos, uma das coisas que geralmente as pessoas me perguntam é sobre minha opinião em relação ao uso da linguagem neutra – aquela que você provavelmente já viu por aí, indicando que um grupo de amigos seja chamado de grupo de amigues, ou que algo feito para todos(as) seja feito para todes. Ou todxs.

Por atuar na área da escrita, a minha opinião é, digamos, complexa sobre esse ponto. Mas não é difícil, e por isso eu vou compartilhar aqui.

Para começar a conversa, antes de embarcar no assunto que acabei de ser questionado, eu procuro ao máximo sentir o tom e o objetivo dessa pergunta. Sentir o tom do questionamento direcionado a mim – pois pasmem: é possível sentir o desdém ou o interesse em aprender na forma como a voz sai da boca de quem pergunta. Parece que não, mas a gente sente, sobretudo nós, pessoas LGBTQIA+ que aprendemos a entender o tom que falam com a gente desde muito cedo. Se perceber que há algo de desdém, eu já fico com o pé atrás.

Vamos lá: eu também concordo que a linguagem neutre/neutrx não seja usual, ainda mais pensando em pessoas com deficiência visual e que sobretudo utilizam aparelho text-to-speech. Particularmente, não gosto de usar todes, amigues e afins (quando soube da possibilidade, até usei em alguns momentos). Mas no meu dia a dia, em diversos materiais que produzi e quando converso com alguém, eu costumo neutralizar usando termos generalistas mesmo: pessoas graduadas em jornalismo – pessoas jornalistas. A beleza dela ou dele – a beleza da pessoa. Claro, nem sempre dá pra fazer isso, mas só pelo fato de tentar, vale a pena. Aquele ditado fica ótimo aqui: “o que vale, muitas vezes, é a intenção de acertar”.

Diferentemente do que a deputada estadual Ana Caroline Campagnolo (PSL) fez ao comentar a aprovação do projeto que proíbe o uso da linguagem neutra nas escolas públicas e privadas de Santa Catarina. Campagnolo comentou que “a decisão evita prejuízos educacionais provocados pela aberração linguística que chamam de ‘linguagem de gênero neutro'”. Deputada, aberração linguística é sabermos que há cidadãos e cidadãs brasileiros(as) que estão na faixa do analfabetismo e não podem ter contato com uma educação de qualidade por questões do próprio Estado. A linguagem neutra é, no máximo, uma via de inclusão que pode ser conversada de maneira adulta, racional e concreta.

Recentemente, tive contato com um texto escrito por uma grande amiga, Mariana Faleiros, dando dicas de pompoarismo. E o que mais me chamou a atenção foi como ela direcionou a conversa dela para quem iria ler: “Você sabia que a prática de pompoar traz diversos benefícios para a saúde de todos os corpos com vagina?

Dá, realmente, pra neutralizar usando a própria conjunção da língua, como o projeto Zuão Explica, em parceria com o Ezatamentchy. Mas quando se fala em linguagem neutra, parece ser mais gostoso atacar do que realmente buscar formas de se explicar de maneira coerente.

Trecho do manual do projeto Zuão Explica, em parceria com o Ezatamencthy, disponível no fim desta coluna (Imagem/Reprodução)

 

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