“A campanha presencial não desapareceu, mas há uma multiplicidade de meios”, afirma historiador

Com a reta final da campanha se aproximando, debate sobre o baixo envolvimento dos eleitores com as campanhas ressurge. Para especialista, novas gerações “consomem conteúdo eleitoral de outras formas”.

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    A campanha eleitoral de 2024 vai chegando ao fim. E um aspecto que chama a atenção de observadores é o ‘baixo clima’ de eleição entre as pessoas. Aparentemente, o período eleitoral deste ano não teve o mesmo envolvimento do que em épocas passadas, pelo menos por parte do eleitor.

    Alguns dados podem ajudar a ilustrar essa impressão. Em Maringá, por exemplo, os três candidatos que lideram a disputa pela Prefeitura gastaram pouco mais de R$ 1 milhão entre produções de vídeos e impulsionamento de conteúdos pelas redes sociais, ao mesmo tempo que os gastos com produção de material impresso – aquele que é distribuído nas ruas -, não chegou a R$ 450 mil, somando as três campanhas, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

    Mas o que explicaria esse fenômeno? Houve um baixo interesse do eleitor no processo eleitoral deste ano? Para o doutor e História e Sociedade pela Unesp e professor associado da Universidade Estadual de Maringá (UEM), Reginaldo Dias, não é possível cravar o baixo interesse da população. O que é observado, segundo ele, são diferentes formas do eleitorado consumir o conteúdo.

    “Eu não cravaria que há baixo interesse da população pela disputa eleitoral.  Tive acesso a pesquisas que aferem a forma como as pessoas se informam e acompanham o processo. Prevalecem os meios eletrônicos e digitais: rádio, TV e mídias sociais.  Sou do tempo em que o principal instrumento de arregimentação dos eleitores era o comício. Para realizar o comício, havia uma mobilização prévia no território selecionado: distribuição de convocação impressa, carros de som, montagem de estruturas, as pessoas saíam de casa para ouvir as propostas, compondo grandes aglomerações. Desde o final da década de 1980, cresceu a importância dos palanques eletrônicos, o programa eleitoral pela TV. Da década de 1990 em diante, isso tudo se combinou com os recursos da internet. Atualmente, temos uma geração que mudou os hábitos de assistir televisão, em razão da disseminação do streaming, As pessoas não querem sentar para assistir as grades fechadas que as redes de comunicação oferecem, querem compor a sua própria programação, para assistir quando e como quiserem, seja no antigo aparelho de televisão, seja nos dispositivos de informática ou nos telefones móveis. É preciso considerar que essa multiplicidade de meios é utilizada por candidatos e eleitores.  Além disso, há muitas restrições à veiculação de propaganda física, o que estimula migração para os meios eletrônicos e digitais. Mas a campanha presencial não desapareceu. Os candidatos a prefeito fizeram e fazem reuniões nos bairros, promovem caminhadas nos eixos comerciais, os candidatos a vereadores fazem campanha física, corpo a corpo. Há a combinação da campanha digital e eletrônica com a campanha analógica, por assim dizer, embora não existam mais as antigas aglomerações”, afirmou o especialista.

    Ainda de acordo com Dias, essa multiplicidade de meios podem se tornar ferramentas poderosas de comunicação com o eleitorado, caso o candidato saiba tirar proveito dos meios digitais. No entanto, ele não acredita na possibilidade de mudança de voto em função de conteúdos veiculados nessas plataformas.

    “Há um antigo debate sobre o meio e a mensagem. Um famoso sociólogo da década de 1960, diante da transmissão por satélite e da noção de simultaneidade ensejada, dizia que o meio era a mensagem, ou seja, que o meio influenciava o sentido da mensagem. Faço o registro para a reflexão. Ficou muito saliente o uso eficaz do Whatsapp pelos apoiadores do candidato a presidente Jair Bolsonaro em 2018, pois ele tinha tempo insignificante na mídia tradicional. Ferramentas como o Whatsapp permitem constituir amplas comunidades para que as pessoas, sem sair de casa, não tenham a sensação de isolamento. Ali elas mantém contato com outras pessoas que pensam na mesma direção, recebem argumentos e informações adaptadas ao campo de visão.  Essas ferramentas, porém, são limitadas para mudar o voto. Dificilmente alguém muda de opinião porque recebeu uma mensagem contrária à linha de pensamento abraçada. Isso, quando acontece, é pelo paciente diálogo pessoal”, explica.

    Tiago Valenciano, cientista político e doutor em Sociologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) tem a sua teoria sobre a impressão do baixo envolvimento do eleitor. Para o também especialista em Política, os conflitos familiares originados em função das disputas eleitorais dos últimos anos deixaram as pessoas mais cautelosas sobre o tema.

    “Nos últimos anos, vimos crescer esse aspecto emocional que liga às pessoas a política. Muitos conflitos familiares, brigas em torno da política ocorreram em diversas famílias e isso foi deixando o eleitor mais receoso, cauteloso sobre esse aspecto. Me parece que as pessoas não estão mais dispostas a perder vínculos familiares por conta de defender candidato X ou Y, algo que reflete nesse movimento mais tímido que observamos nas eleições 2024”, finaliza.

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