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A rotatividade no mercado formal de trabalho brasileiro atingiu um patamar inédito. De acordo com reportagem publicada neste domingo (20) pela Folha de S.Paulo, 36% dos trabalhadores com carteira assinada trocaram de emprego nos últimos 12 meses. O índice, calculado pela LCA Consultores com base em dados do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), mostra que o movimento é ainda mais acentuado entre os jovens da geração Z — aqueles nascidos entre 1997 e 2010.
Entre os profissionais com até 29 anos, a taxa sobe para 40%, e quando se considera apenas os jovens de 18 a 24 anos, o número vai a 41%. Já na faixa de até 17 anos, o índice chega a 42%. Para efeito de comparação, antes da pandemia, esses grupos registravam rotatividade de 22%, 30% e 26%, respectivamente.
Busca por propósito e saúde mental
A reportagem da Folha ouviu o economista Bruno Imaizumi, da LCA Consultores, responsável pelo estudo. Segundo ele, embora jovens historicamente troquem de emprego com maior frequência por estarem no início da carreira e em busca de melhores condições, a curva de crescimento após a pandemia foi ainda mais acentuada nesse grupo.
“A recuperação da economia após o pior momento da pandemia, somada a uma taxa de desemprego em queda, aqueceu o mercado de trabalho e abriu espaço para uma reavaliação sobre o que significa bem-estar e realização profissional”, afirmou Imaizumi. O economista compara o fenômeno ao movimento conhecido como Great Resignation (“Grande Renúncia”) nos Estados Unidos, que marcou uma onda de pedidos de demissão motivada por questões de saúde mental e qualidade de vida.
Amanda Adami, gerente da consultoria de recrutamento Robert Half, também ouvida pela Folha, destaca que a geração Z prioriza valores que antes não eram centrais nas decisões profissionais, como propósito, equilíbrio emocional e alinhamento com a cultura da empresa. “Eles têm mais informação e, quando não estão felizes, mudam de emprego”, explica.
Trabalho remoto e plataformas digitais aceleram trocas
A pandemia também deixou como herança a popularização do trabalho remoto ou híbrido, que se tornou um fator de peso nas decisões dos trabalhadores. O fim da flexibilidade ou a imposição de retorno ao presencial tem motivado desligamentos voluntários. Além disso, o acesso facilitado a plataformas de vagas e redes sociais impulsiona a busca por novas oportunidades — especialmente entre os mais jovens, digitalmente fluentes.
O resultado é um cenário desafiador para as empresas. Para Amanda Adami, será cada vez mais necessário investir em liderança, cultura organizacional e capacitação para reter talentos. “As empresas precisam olhar para dentro e entender como tornar o ambiente de trabalho mais atraente e conectado com as expectativas desse novo perfil de profissional”, diz.
Produtividade e pressão sobre salários
A alta rotatividade também traz implicações econômicas mais amplas. Segundo Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia da USP e coordenador do Salariômetro da Fipe, esse movimento compromete o ganho de produtividade. “A taxa de rotatividade é vergonhosamente alta no Brasil. Sem vínculo de longo prazo, não se constrói uma cultura de excelência”, afirmou à Folha.
Dados da Fipe mostram que, historicamente, novos contratados ganhavam em média 9% menos que seus antecessores. Após a pandemia, essa diferença caiu para 4% — um reflexo da escassez de mão de obra em setores como comércio e construção civil, o que pressiona os salários para cima.
O cenário indica que a rotatividade pode permanecer alta nos próximos anos, impulsionada pelo aquecimento da economia, pela mudança de mentalidade nas novas gerações e pela reconfiguração das relações de trabalho no mundo pós-pandêmico.
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