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Neste 20 de novembro, o Brasil celebrará pela primeira vez o Dia da Consciência Negra como feriado nacional, uma data que convida à reflexão sobre a luta e a resistência da população negra ao longo da história e à valorização da cultura afro-brasileira.
Em sintonia com essa importante comemoração, a Universidade Estadual de Maringá (UEM) também se prepara para celebrar quatro anos do sistema de cotas raciais, uma iniciativa que tem promovido a inclusão e a diversidade no ambiente acadêmico.
Para marcar essas datas significativas, o Núcleo de Estudos Interdisciplinares Afro-brasileiro (Neiab) da UEM promoverá a 18ª Semana Afro-Brasileira, evento repleto de atividades que visam fomentar o debate e a conscientização sobre questões étnico-raciais. O cronograma do evento está recheado de mesas redondas, oficinas e apresentações culturais que prometem enriquecer a experiência dos participantes.
Além de comemorar os 20 anos do Neiab, o evento deste ano vai contar um pouco dessa história e o processo de implantação das cotas raciais na UEM, em que o Núcleo foi um dos protagonistas. A Semana traz como tema central “Kizomba e saberes negros em Maringá” e, como tema específico, “o Neiab, as cotas e os estudantes negros e negras na universidade”.
Cronograma da 18ª Semana Afro-Brasileira:
25/11
– 14h – Auditório da BCE: 1º Encontro do Grupo de Estudos em Relações Étnico-raciais
– 19h30 – Auditório da Sinteemar: Apresentação com a Orquestra Latino-Americana da UEM e mesa “A Fundação do NEIAB – História e Legados”
26/11
– 14h – Auditório da Sinteemar: mesa “Consolidando Espaços – O NEIAB e as Cotas Raciais”
– 19h30 – Auditório da Sinteemar: mesa “Os Primeiros Cotistas Raciais na UEM: Transformação, Vivências e Resistências”
27/11
– 9h45 – Bloco A34 – Sala 03: oficina de Escrita Criativa “Vidas na Universidade: Memórias e Escrevivências”
– 14h – Auditório da BCE: oficina “Quebrando o Silêncio: Diferenças entre racismo e injúria racial – Caminhos para denúncias”
– 16h – Bloco 04 – Sala 01: oficina de Colagem “Recortes da Memória”
– 19h30 – Auditório da Sinteemar: mesa “O Neiab Hoje: Desafios e Novas Perspectivas”
Mais ingressantes
As cotas configuram uma política de reserva de 20% das vagas dos vestibulares destinadas para negros (pretos ou pardos), divididas em duas categorias: a primeira é a Cotas para Negros Social que se configura como a reserva de 15% das vagas para alunos negros que também atenda os critérios das cotas sociais; a segunda é cotas para negros que se configura como a reserva de 5% das vagas independente do ganho familiar, trajetória escolar e/ou patrimônio.
Segundo dados da Diretoria de Assuntos Acadêmicos (DAA), de 2021 a 2023 entraram na UEM, pelo sistema de cotas, 378 vestibulandos negros, número que vem crescendo gradativamente. No primeiro ano, entraram 98 estudantes, em 2022, 116 e em 2023, 164. Neste ano, ingressaram 248 e atualmente estão matriculados 235
É importante esclarecer que, nestas quantidades, não estão informados os alunos que se inscreveram por cotas para negros e conseguiram ficar bem classificados nos vestibulares, a ponto de obter vaga na ampla concorrência.
Para a coordenadora do Neiab, professora Marivânia Conceição Araújo, as cotas para negros fazem parte “de uma realidade positiva na UEM”. Ao falar sobre como se deu a luta para a implementação do sistema, ela diz que após anos de reivindicação da comunidade acadêmica, dos movimentos sociais e da sociedade civil, foi instaurado o processo de análise e debates para aprovação das cotas raciais na instituição.
“As cotas raciais contemplam 15% dos candidatos negros de baixa renda e que estudaram em escolas públicas, mais 5% de candidatos negros independente do seu percurso na formação escolar. Portanto, 20% das vagas do vestibular estão destinadas a candidatos negros (categoria usada pelo IBGE/Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, que envolve pretos e pardos), isto é, aqueles que têm o fenótipo com as características negroides e são vistos pela sociedade como tal”, esclarece.
Reduzir o racismo
As cotas raciais tem como objetivo principal diminuir o racismo em nossa sociedade, além de proporcionar melhores condições para que a população negra possa ascender social e economicamente. É o que explica a coordenadora. No entanto, assegura Araújo, podemos perceber resultados positivos das cotas raciais em nossa universidade.
Segundo ela, “o fato positivo mais evidente é a presença de estudantes negros e negras nos câmpus e isso tem relevância. Estar junto com pessoas negras diminui o racismo e o preconceito sobre elas, uma vez que com o convívio todos poderão perceber que as pessoas negras são pessoas: tem qualidades, tem defeitos, podem ter possibilidades de criar, com sonhos. Essas características são muito importantes, pois diminui o preconceito e aumenta a possibilidade de afastar os estereótipos sobre as pessoas negras”.
Na análise da professora, também “é positivo que com a presença de estudantes negros a universidade tem a possibilidade de mudar um pouco as ementas das disciplinas, pois os alunos começam a perguntar e a pressionar sobre autores e autoras negras, sobre a perspectiva da história e da ciência a partir de um conhecimento relacionado à população negra ou africana”. De acordo com a coordenadora do Neiab, já houve em alguns cursos da universidade uma mudança: disciplinas que começaram a adotar textos de escritores negros ou de cientistas que não são europeus. “Podemos perceber uma mudança na visão marcadamente eurocêntrica dos cursos”, salienta.
A diminuição de práticas e falas racistas é um resultado das cotas, segundo ela, pois a presença de alunos e alunas negras em sala de aula inibe esses comportamentos. “E os estudantes negros se posicionam de modo a enfrentar as demonstrações de preconceito racial”, afirma. E aponta os estudos sobre os resultados das cotas raciais nas universidades brasileiras segundo os quais os cotistas tem bom desempenho acadêmico e que, entre eles, a evasão é menor.
“É possível perceber que o mesmo ocorre na UEM. Contudo, nos primeiros semestres é possível perceber uma dificuldade de adequação, alguma defasagem no aprendizado, mas, passado esse momento de adequação, os estudantes cotistas vão ter desempenho igual ou, às vezes, superior à dos alunos não cotistas”, diz.
Coletivos
Araújo cita, como consequência das cotas, a criação de coletivos negros que vão lutar por igual igualdade racial na UEM. Sustenta que eles reivindicam uma política de permanência na universidade para que aqueles com menor poder aquisitivo possam estudar sem passar por dificuldades. Todos esses elementos são positivos, avalia a professora, “e uma vez que a universidade consiga responder positivamente às demandas dos coletivos sem dúvida nenhuma, a UEM ficará melhor, será uma universidade de maior qualidade não só do ponto de vista acadêmico, mas do ponto de vista das relações humanas das relações sociais entre professores alunos e servidores”.
As cotas, enfim, são elementos extremamente positivos no que diz respeito à inserção da população negra na universidade, que pode possibilitar a ascensão social e econômica desses alunos, dos seus familiares e dos seus descendentes, pondera ela. Ainda conforme a coordenadora do Neiab, “hoje, com 4 anos de existência das cotas, se percebe uma mudança positiva dentro dos câmpus, muitas ações ainda devem ser feitas, mas o início já tá garantido e, sem dúvida nenhuma, tem muito valor”.
Sobre o fato de aumentar, ano a ano, o número de ingressantes cotistas, ela atribui ao fato de que os candidatos tem se informado mais sobre as cotas para negros na UEM, “entendem que se trata de uma política positiva que têm direito e que já foi instaurada em outras universidades”. Além disso, acrescenta, a implantação das cotas na UEM tem bancas de heteroidentificação em que os candidatos que se autodeclararam negros ou pardos devem comparecer diante da banca que vai deferir ou não a autodeclaração de pessoa negra ou parda, uma exigência que traz maior lisura e confiabilidade ao processo.
Democratizar o acesso
Aluna do curso de Ciências Sociais, Emily Camily Silva Damasceno do Carmo diz que os debates sobre temáticas raciais na UEM têm sido promovidos, até o momento, pelo Neiab, que, reforça ela, também foi o responsável pelas primeiras discussões sobre as cotas raciais na universidade.
Cotista racial, a estudante lembra que em 2008 a proposta de se criar as cotas sociais foram aprovadas, mas a de se implementar as cotas raciais foram rejeitadas. “Foram mais de 10 anos de luta até a efetiva conquista da ação afirmativa”, afirma.
No dia 20 de novembro de 2019, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEP) aprovou a implementação das cotas raciais na UEM, fato considerado por Emily “um marco significativo para os militantes dos movimentos negros de Maringá e região, membros do Neiab, do Coletivo de Juventude Negra Yalodê-Badá e do Conselho de Promoção de Igualdade Racial de Maringá (Compir)”. A estudante entende que essa conquista simbolizou, em pleno Dia da Consciência Negra e de Zumbi dos Palmares, o resultado de anos de mobilização e resistência. “A partir do vestibular de inverno de 2020, 20% das vagas de cada curso passaram a ser destinadas para candidatos negros (pretos e pardos). Na graduação em Direito, por exemplo, que antes contava com apenas um ou dois alunos negros por turma, hoje há uma média de seis”, revela.
Na concepção da acadêmica, a política de cotas raciais visa a redução da desigualdade racial em diversos espaços, promovendo a diversidade dentro da instituição. “Ela representa uma alternativa para democratizar o acesso à educação para grupos historicamente marginalizados e silenciados, que enfrentam discriminação sistemática e estrutural. Entretanto, é importante destacar que as cotas raciais, como ação afirmativa, precisam ser acompanhadas de políticas de permanência estudantil”, declara.
Para a aluna, a combinação dessas políticas contribui para que os alunos permaneçam fisicamente na universidade, com a oferta de auxílios alimentação, acompanhamento psicológico, bolsas de inclusão social, debate sobre moradia estudantil, entre outros. “A implementação das cotas raciais nas Instituições de Ensino Superior (IES), como a UEM, não só facilita o acesso de grupos historicamente excluídos, mas também promove a permanência simbólica desses alunos, pois a presença de mais estudantes negros na sala de aula contribui para a diversificação do corpo discente”, assegura.
Emily compreende que discutir a permanência simbólica é falar sobre identificação, sentimento de pertencimento e conforto. Além disso, é tratar da importância de relações étnico-raciais dentro do ambiente acadêmico, como ter professores negros e ler autores negros, elementos que ajudam a fortalecer a identidade e o pertencimento dos cotistas raciais.
Segundo ela, quando o ambiente universitário se torna um espaço onde o estudante se vê representado, ele sente que tem o direito e o merecimento de estar ali. “A discussão sobre cotas raciais vai além do âmbito acadêmico. O que é produzido dentro da universidade reverbera para a sociedade. A qualificação de pessoas que historicamente ocupam papéis de subemprego contribui para a construção de uma nova perspectiva de realidade, tanto no mercado de trabalho quanto nas relações sociais. Devemos tratar as cotas raciais não como um privilégio, mas como uma possibilidade de transformação no nosso imaginário social”, diz a universitária, para quem “o peso de ser o primeiro da família a ingressar na Universidade é muito grande, ainda mais para famílias onde há integrantes que sequer terminaram o ensino básico, mas que sempre viram na educação uma forma de esperança”.
Bolsista desde o primeiro ano da graduação (ela está no segundo ano), a acadêmica integra o Neiab, onde produz atividades e materiais que abordam relações étnico-raciais. Faz parte também das comissões de bancas de heteroidentificação, o processo de
validação da política de cotas raciais. Atualmente, desenvolve um projeto de pesquisa sobre a implementação da política de cotas raciais na Universidade, intitulado: “Os primeiros cotistas raciais na UEM: transformação, vivências e resistências”.
Corrigir desigualdades
Também cotista racial, Lorenna Luciano Nogueira, aluna do curso de Direito na UEM, entende que a implantação das cotas raciais na UEM representa um avanço significativo na busca da igualdade de oportunidades no ensino superior e reflete o compromisso da universidade com a diversidade e a inclusão social. “Com isso, a política de cotas raciais busca corrigir desigualdades históricas, proporcionando acesso a uma população historicamente marginalizada, que enfrenta obstáculos socioeconômicos e estruturais no processo de ascensão educacional”, assinala.
Neste aspecto, Nogueira também avalia que a importância das cotas raciais na instituição pode ser vista em diversos aspectos, a começar pela contribuição para a ampliação da representatividade negra no ambiente universitário. Segundo ela, a diversidade é um fator enriquecedor para a construção do câmpus, onde diferentes vivências, trajetórias e culturas se encontram. “Essa diversidade de experiências enriquece a formação dos estudantes como profissionais e como pessoa também”, afirma.
Além disso, observa a estudante, as cotas desempenham um papel importante na democratização do acesso ao ensino superior, permitindo que jovens de origens mais humildes, em sua maioria pretos e pardos, possam ter acesso a uma educação de qualidade. Para muitos, a UEM representa uma das poucas portas de entrada para um futuro profissional e acadêmico, assegura. Nesse contexto, acrescenta a acadêmica, as cotas não apenas ampliam o número de estudantes pretos e pardos na universidade, mas também possibilitam o fortalecimento da autoestima e do pertencimento desses indivíduos, incentivando-os a sonhar e alcançar novas possibilidades.
A política de cotas também contribui para a formação de uma sociedade mais justa, onde as desigualdades estruturais, como o racismo e as dificuldades de acesso à educação, podem ser minimizadas ao longo do tempo. É o que pensa Nogueira. Para ela, a inclusão desses estudantes na UEM é um passo crucial para combater a desigualdade racial no Brasil, permitindo que mais pessoas da população negra possam ocupar espaços de poder, decisão e influência.
Mas, de acordo com a universitária, é importante destacar que, embora as cotas sejam uma ferramenta relevante, elas não resolvem por si só as desigualdades raciais e sociais no Brasil. A implementação de políticas públicas complementares, como ações de permanência para estudantes cotistas (bolsas, assistência estudantil, acompanhamento pedagógico, entre outros), é essencial para garantir o sucesso desses alunos e a equidade no ambiente universitário.
Os quatro anos de implantação das cotas raciais na UEM são, portanto, na opinião da aluna, um marco positivo, mas também um lembrete da necessidade de continuidade e aprofundamento das ações para garantir uma educação verdadeiramente inclusiva e transformadora para todos.
Foi em razão da implementação das cotas raciais que ela diz estar cursando Direito na UEM, onde conseguiu “ter acesso a diversas oportunidades apenas pelo fato de estar na universidade, e isso é grandioso e gratificante demais”.
Líder Zumbi
O Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra foi instituído oficialmente pela Lei nº 12.519, de 2011. A data faz referência à morte de Zumbi, o então líder do Quilombo dos Palmares – situado entre os estados de Alagoas e Pernambuco, na Região Nordeste do Brasil.
Zumbi foi morto em 1695, por bandeirantes liderados por Domingos Jorge Velho. A escolha do 20 de novembro aconteceu no contexto de declínio da Ditadura Militar (final da década de 1970 em diante) e de redemocratização do País. O enfraquecimento da Ditadura deu força aos movimentos de oposição e aos movimentos sociais, como o movimento negro.
O Dia da Consciência Negra é importante para relembramos que a nossa sociedade foi construída por meio da escravidão. Por mais que melhorias e mudanças tenham acontecido, a falta de oportunidades para a população negra, o racismo presente nos detalhes do cotidiano e as tentativas de apagamento de cultura africana evidenciam que ainda temos um longo caminho a ser trilhado.
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