George Orwell no dia de Hiroshima

Explorando a era nuclear e a sombra de Hiroshima através das provocações de Orwell e Anders: despotismo, poder atômico e o futuro incerto da humanidade.

  • Tempo estimado de leitura: 4 minutos

    Por Caio Henrique Lopes Ramiro

    No último dia 6 de agosto, há 79 anos, tinha início uma nova era para a humanidade. Estes são os termos da primeira tese de Günther Anders, quando afirma que esta data deve ser lembrada como o dia de Hiroshima, isto é, este dia marca a era em que nós tomamos conhecimento de que temos o poder de transformar qualquer lugar e até mesmo o planeta inteiro em uma Hiroshima. Portanto, em sentido apocalíptico, há uma revelação de que estamos vivendo no tempo do fim.

    Neste horizonte de perspectiva, parece interessante não só retomar esta temática que já vem sendo objeto de meditação neste espaço, mas, também, fazê-lo considerando um texto de George Orwell, pseudônimo de Eric Arthur Blair.

    O escritor e crítico literário – nascido na Índia subjugada pelo domínio colonial da coroa britânica -, é bastante conhecido por seu livro distópico 1984, bem como seu romance A revolução dos bichos. Todavia, pretendemos esboçar algumas linhas a partir de outro trabalho de Orwell, a saber: Você e a bomba atômica[1].

    George Orwell publicou este texto no jornal Tribune, em 19 de outubro de 1945. Portanto, o escrito vem a público dois meses após a explosão da bomba em Hiroshima e apresenta questões muito interessantes, inclusive para o tempo de agora.

    Em primeiro lugar, Orwell afirma que apesar da ameaça de todos sermos dizimados e feitos em pedaços, a bomba atômica não é objeto de discussão, ao menos não tanto quanto deveria se esperar.

    Na compreensão de Orwell existem algumas publicações, contudo, não são tão úteis aos cidadãos comuns, em especial naquilo que diz respeito à formação de uma compreensão acerca das dificuldades de produção desta arma e da pretensão de monopólio no que tange a sua utilização.

    Não obstante, é bastante interessante a afirmação orwelliana de que há um lugar comum que diz respeito à imagem em paralelo da história da civilização e a história das armas.

    A partir desta aproximação, Orwell apresenta algumas linhas da história a fim de demonstrar que, salvo, por óbvio algumas exceções, poderíamos pensar que existe uma regra que diz que em “tempos em que a arma dominante é exorbitantemente cara ou difícil de construir tendem a ser tempos de despotismo”.

    Ora, por aqui a reflexão de Orwell vai se construir a partir de um exame da facilidade ou não do acesso às armas, tendo por objetivo examinar a disputa acerca do monopólio da nova tecnologia de destruição, algo que já colocava no horizonte a corrida armamentista que testemunhamos na guerra fria.

    Assim, ao que parece, um dos pontos centrais do argumento de George Orwell é evidenciar que se mostra possível pensar que o processo de produção da bomba, que exige uma ampla planta industrial e investimento em tecnologia, é algo custoso e difícil, o que exige inúmeros esforços, o que, todavia, para alguns pode representar algo como uma imagem do progresso técnico e que poderia colocar fim às guerras de longa escala. No entanto, haveria um custo adicional e este último seria o prolongamento indefinido de uma “paz que não é paz alguma”.

    Portanto, trata-se de uma era de suspensão, isto é, retomando alguns termos de Günther Anders, um modo de estar no mundo que se apresenta como a vida dos ainda não inexistentes, sendo que esta última se desenvolve sob a sombra de Hiroshima, um tempo do fim que a qualquer momento poderá se converter no fim do tempo.

    Logo, a questão moral básica passa a ser: Iremos sobreviver? Para Orwell, “uma arma complexa faz do forte mais forte”, de tal modo, observa-se que a era de suspensão é também um tempo de despotismo.  


    [1] Para a leitura de uma boa tradução do texto, ver: https://zeroaesquerda.com.br/index.php/2022/09/22/voce-e-a-bomba-atomica-george-orwell/.

    Comentários estão fechados.