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Marina da Silva Cunha¹ e Luiz Donadon Leal²
A marca Louis Vuitton é sinônimo de riqueza, luxo e sucesso. Porém, a história do seu fundador não foi apenas de fortuna e ostentação, nascido no início do século XIX, filho de família pobre do interior da França, perdeu a mãe aos 10 anos e o pai aos 13 anos. Quando ficou órfão saiu de casa sozinho e foi viver em Paris, em uma viagem a pé de dois anos até o destino. Neste período e na chegada em Paris viveu em situação de rua.
No entanto, rapidamente o jovem Louis Vuitton teve uma oportunidade, um emprego em uma oficina de fabricação de malas, onde permaneceu por anos, em seguida, foi contratado pela esposa do imperador Napoleão III para fabricar malas e baús. Por fim, abriu o seu próprio ateliê, Maison Louis Vuitton Malettier, iniciando um empreendimento de sucesso até os dias de hoje.
De fato, a população em situação de rua sempre fez parte da realidade das cidades, por séculos, e traz diferentes histórias. Alguma tragédia, perda ou fatalidade são determinantes comuns para o início da vida em situação de rua. Porém, nem sempre a superação ou sucesso ocorrem rapidamente ou em algum momento para esta população em situação de extrema vulnerabilidade. Por isto, constitui-se em um grupo populacional heterogêneo, pois as razões para estar nesta situação são diversas, o que demanda também um tratamento diferenciado para auxiliar na superação desta condição.
Além da heterogeneidade, o Decreto nº 7.053 de 2009 do Governo Federal, caracteriza essa parcela da sociedade por: 1) estar em pobreza extrema; 2) ter os vínculos familiares interrompidos ou fragilizados e 3) não ter moradia. Também utilizam os logradouros públicos e áreas degradadas como espaço de moradia e sustento, de forma temporária ou permanente. As unidades de acolhimento são utilizadas, tanto de forma temporária, em pernoites, como de moradia provisória.
Segundo reportagem da Revista Veja, de setembro de 2023, das 200 mil pessoas em situação de rua da França, a metade estava nas redondezas de Paris. No Brasil, a população em situação de rua também se encontra, em sua maioria, nos grandes centros.
Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Economia Aplica), foi estimado um total de 281.472 pessoas em situação de rua em 2022, dos quais 104.296 nas grandes cidades (entre 100.001 e 900.000 pessoas) e 102.580 (acima de 900.000). Esta realidade também está presente em Maringá, onde, no final de 2023, havia cerca de 650 pessoas em situação de rua, segundo o 6º Censo da População em Situação de Rua de Maringá realizado pelo Observatório da Metrópoles. Em 2015, quando a pesquisa teve início, havia 219 pessoas nesta situação no município, o que representa um aumento de cerca de 200%. Este desempenho foi superior ao observado no Brasil, que aumentou 100%, neste mesmo período.
Além do aumento na quantidade de pessoas, a pesquisa para Maringá observou outras mudanças no seu perfil. A população em situação rua ficou mais jovem, com crescimento na faixa etária de entre 21 e 30 anos.
Com relação à escolaridade, apesar do nível fundamental incompleto ser a maior proporção entre os entrevistados, o nível médio foi o que apresentou o crescimento mais significativo. Os brancos também aumentaram sua participação, apesar de os pardos representarem a maior parcela. Os homens são maioria, superando os 90%.
Verifica-se ainda que, ao longo dos anos da pesquisa, a proporção de pessoas em acolhimento vem aumentando, que em 2015 era igual a 28% e em 2023 atinge 65%. Ainda merece destaque o tempo em situação de rua, que reduziu, ficou mais frequente entre os entrevistados o período menor do que um ano.
Quando se fala em estimativa do número de pessoas em situação de rua nos grandes centros, é importante relembrar que nos últimos anos a realidade da chamada “crise de rua” ficou estampada e está cada vez mais evidenciada não só nos grandes centros, mas também reconhecida nas cidades de porte médio. Essa emergência social de tamanha gravidade que levou o Supremo Tribunal Federal (STF), em julho de 2023, a tomar uma Decisão Liminar determinando a formulação, pelo Poder Executivo, nos níveis Federal, Estadual e Municipal no prazo de 120 dias, do Plano de Ação e Monitoramento para a efetiva implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua. Este prazo acabou sendo prorrogado, pela evidente constatação da falta de dados estatísticos sobre esse grupo social, na maioria absolutas das grandes cidades brasileiras.
Embora a contagem oficial das pessoas em situação de rua e a divulgação das informações sobre essa população não se concretizaram até o momento em nenhum grande centro. Em Maringá é diferente, aqui o Censo realizado pelo Observatório das Metrópoles ocorre desde 2015, contendo dados consolidados que permitem a identificação e o monitoramento de alteração do perfil ao longo do tempo, da procedência e de suas principais necessidades, entre outras informações que contribuem e amparam a construção de políticas públicas voltadas a essas pessoas.
Por fim, vale frisar, que nesse momento em que se inicia os debates sobre as eleições municipais, a questão das pessoas em situação de rua já aparece como um dos temas centrais.
Embora pareça inevitável o aparecimento de propostas milagrosas por parte de alguns pré-candidatos, sugerimos aqui que o debate desta temática, seja pautado pela análise das políticas de enfrentamento dessa realidades em Maringá, já propostas e debatidas pelo Comitê Intersetorial da Política Municipal para População em Situação de Rua de Maringá (CIAMP RUA) a exemplo da: 1- Ampliação de vagas no Portal da Inclusão Masculino; 2 – Implantação do Portal da Inclusão Feminino; 3 – Melhorias no Centro POP e 4 – Consultório de Rua 24 horas.
Maringá possui um Serviço Especializado em Abordagem Social para Pessoas em Situação de Rua, com plantão 24 horas, que pode ser chamada, pelo telefone (44) 99103-5661, para atender qualquer emergência relacionada a esta parcela da população, ainda mais com a chegada do inverno, quando as ruas ficam ainda mais inóspitas!
**Artigo da série “Observatório das Metrópoles nas Eleições”, realizada pelo núcleo maringaense do Observatório das Metrópoles, em parceria com o Maringá Post
¹: Professora titular do Departamento de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Econômicas da Universidade Estadual de Maringá e pesquisadora do Observatório da Metrópoles Núcleo UEM/Maringá.
²: Psicólogo da Unidade de Psicologia Aplicada da Universidade Estadual de Maringá e pesquisador da temática População em Situação de Rua do Observatório das Metrópoles Núcleo UEM/Maringá.
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