Vida de escritor: sobre ser insubstituível

Daqui há uma década, será relevante o que escrevemos hoje? Nossos livros ficarão para sempre na memória dos leitores?

  • Boa tarde, leitor do LiteraturaPost! Como você está? Espero que esteja bem, e bem quentinho nessa terça feira chuvosa. Vi que já pegou sua bebida favorita para nosso papo semanal, que dessa vez tem um viés existencial.

    O que é ser insubstituível? Segundo o dicionário, insubstituível significa “que não pode ser substituído; único.”

    Autores almejam que suas obras sejam um legado para o futuro, que durem para sempre. Porém tudo que escrevemos não passa de um recorte de nossas percepções sobre a sociedade pela qual participamos. Há uma década, será relevante o que escrevemos?  Nossos livros ficarão para sempre na memória dos leitores?

    No mundo que a cada semana surge uma nova trend, um novo curso ensinando atalhos, um novo lançamento da moda ou do entretenimento, concluímos como tudo é passageiro. Um livro adolescente famoso com protagonistas vampiros que introduziu diversos adolescentes à leitura, depois de uma década é considerado fora de moda pelos novos leitores.

    Já outro livro , daquele vampiro que dá depoimento para um jornalista é considerado cult, mesmo com suas ressalvas sobre relacionamentos tóxicos. Como será a opinião dos leitores das próximas décadas sobre estes livros?

     Você se lembra do filme que mais gostou de assistir ano passado? Ou do seu melhor amigo da infância? Da banda que você mais ouvia na adolescência? 

    Pois bem, a partir do momento que você vai se distanciando dos anos tenros da juventude, se aproximando ou atravessando os “30” você começa a perceber o quanto as coisas mudaram. Algumas roupas já não te servem mais, outras você doou pois não faziam mais seu estilo. Talvez seu gênero favorito de leitura tenha mudado, ou você tenha se afastado de amigos que eram tão próximos e quando percebeu, já não saíam mais a anos.

    Algumas situações podem instaurar nosso sentimento de insignificância: quando somos os últimos a saber de algo ou  não somos convidados para um rolê. Esse sentimento nos preenche no momento que chegamos para trabalhar e recebemos o aviso prévio, ou quando acordamos com uma mensagem de fim de relacionamento. A descartabilidade do ser humano vem acompanhada com a falta de empatia, diálogo e sensibilidade, e com certeza, a ausência de diálogo.

    Neste momento a resolução vem à tona. Ninguém é insubstituível. As pessoas participam dessa peça que é a vida, interpretando seus papéis, trocando a moeda mais preciosa, o seu tempo, nas relações que ela precisa ou que ela almeja. O questionamento que fica presente é: estou dando o devido valor ao que é realmente importante?

    Os dias de todos os seres humanos têm as mesmas 24 horas. Eu não posso obrigar ninguém a se lembrar, a se apegar,  mas posso me tornar uma pessoa que faz o melhor que está ao seu alcance. Mas devemos lembrar que não dominamos o que os outros pensam ou sentem, parecido com os livros, onde cada pessoa tem sua interpretação da obra devido a sua bagagem emocional e social.

    O que podemos fazer é o nosso melhor, para caso nossa passagem pela vida das pessoas que consideramos importantes para breve, que seja agradável, que faça sentido, que seja marcante.

    Na cultura mexicana, honrar seus mortos no “Dia de Los Muertos” é um modo de trazer as memórias e histórias dos antepassados. Lembrar é eternizar. Para uma mãe seu filho é insubstituível, como para um filho sua mãe é. Em nossas relações familiares próximas o conceito de insubstituibilidade é real. 

    Assim como está eternizado em o pequeno príncipe:
    “Era uma pessoa igual a cem mil outras pessoas. Mas, eu fiz dela um amigo, agora ela é única no mundo”.

    Na narratologia, a técnica chamada “primeiro sangue “, consiste em priorizar acontecimentos nas pessoas mais próximas ao seu protagonista, para que aquilo seja sentido com mais força com seu leitor. E isso reflete muito a vida real: suas dores, seus problemas são apenas compreendidos por aqueles que estão mais próximos de você, na visão geral, normalmente somos uma nota de roda pé ou estatística. Por isso os empatas sofrem tanto neste mundo.

    Porém , a efemeridade não é um ponto negativo no ser humano. É um mecanismos de defesa para nosso cérebro se  lembrar do que é essencial, e arquivar aquilo que não é recorrente ou antigo. Tenho certeza que várias lembranças vieram à tona quando lhe perguntei da banda favorita de anos atrás ou o que você gostava de ler. 

    Ao abraçarmos a efemeridade da vida, das relações, tiramos o peso da eternidade. Para um sonho nascer, deixamos algo para trás, muitas vezes inacabado, para dedicar nosso tempo a esse novo projeto.  Um hobby que te fazia feliz, agora pode não mais fazer o mesmo sentido que antes, ou trazer a mesma felicidade. 

    Cabe a cada um de nós priorizar nossa sanidade neste mundo insano, trabalhando nossa inteligência emocional e sempre nos questionando, utilizando de nossa dádiva e maldição em ser senciente e consciente.

    Eu gostaria que meus livros ficassem para sempre no imaginário de meus leitores, porém me contento de que minha obra faça a diferença naquele momento que eles estavam lendo, que os ajude a passar por problemas que traga novos horizontes. E assim procure novos livros depois dos meus. E meus livros estarão lá, e, sempre que o leitor sentir saudades, revisitá-los.

    Tomara que essa reflexão tenha aquecido seu coração nesse dia chuvoso. Saiba que ser substituível faz você priorizar aqueles que te tratam como alguém insubstituível, independentemente de quanto o “para sempre” dure.

    Te espero na próxima terça-feira.

    Se quiser se comunicar comigo diretamente, mande mensagem no meu instagram:

    @autora_josi_guerreiro

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