“Precisamos deixar de lado o fundamentalismo”, diz arcebispo de Maringá Dom Severino Clasen

Em entrevista para o Maringá Post, novo arcebispo falou sobre diálogo e acolhimento de todas as pessoas

  • Dom Severino Clasen, de 66 anos, é o quinto arcebispo de Maringá. As palavras acolher e cuidar, no brasão eclesial instalado na Catedral de Maringá, resumem o modelo de evangelização proposto pelo novo arcebispo.

    Em entrevista ao Maringá Post, ele defendeu que a igreja precisa deixar de lado o fundamentalismo e apostar no diálogo como princípio para o acolhimento de todas as pessoas.  

    “Precisamos romper com o distanciamento humano, com a desvalorização da vida humana. É preciso olhar mais para a misericórdia de Deus antes de qualquer cobrança e julgamento prévio e sem fundamentação”, afirmou Dom Severino. 

    Na entrevista, o arcebispo de Maringá comentou sobre o aborto. O tema voltou a ganhar destaque no domingo (18/7), quando grupos religiosos tentaram impedir o aborto legal de uma menina de 10 anos estuprada pelo tio no Espírito Santo. “A Igreja é sempre a favor da vida e contra todo tipo de violência, de abuso”, disse o arcebispo. 

    O nome de Dom Severino está entre os 152 bispos que assinaram, em julho, uma carta com críticas à atuação do governo federal. A divulgação da carta foi suspensa para avaliação do Conselho permanente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), mas acabou vazando

    Questionado sobre a assinatura, o arcebispo disse que prefere sustentar aquilo que diz e escreve e que não publicou a carta na Diocese de Caçador ou na Arquidiocese de Maringá. Ele diz que “a Igreja não toma partido político partidário, mas tem obrigação com a ética, com a verdade, com a justiça e com o Evangelho”. 

    Veja a entrevista com Dom Severino

    Maringá Post: Em Maringá, mais de 231 mil pessoas se declaram católicas, segundo censo de 2010 do IBGE. O que o senhor avalia como positivo na Arquidiocese de Maringá e quais são as mudanças que pretende implementar? 

    Dom Severino Clasen: São mais de 231 mil pessoas Católicas Apostólicas Romanas na Arquidiocese de Maringá. É um número muito significativo. A responsabilidade é muito grande. Neste primeiro momento vamos ouvir, saber quais são as luzes, as esperanças e quais são as sombras e as tristezas para podermos potencializar o anúncio do Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo.

    As mudanças serão implementadas através da construção da Assembleia de Pastoral da Arquidiocese. Enquanto isso, estarei presente para animar, acompanhar, entusiasmar e conduzir o povo de Deus ao encontro de Jesus, nosso Bom Pastor.

    MP: O senhor disse em coletiva de imprensa antes da posse como arcebispo de Maringá que a igreja precisa deixar de lado os falsos moralismos. Quais são os falsos moralismos que a igreja precisa abandonar? 

    Dom Severino: Todos nós precisamos deixar de lado o fundamentalismo, que é o olhar parcial dos fatos, as exigências acerbadas que não levam ao encontro do ser humano como riqueza e a beleza do bem viver. Precisamos romper com o distanciamento humano, com a desvalorização da vida humana. É preciso olhar mais para a misericórdia de Deus antes de qualquer cobrança e julgamento prévio e sem fundamentação.

    MP: Na exortação apostólica Amoris Laetitia (Alegria do Amor), o Papa Francisco fala sobre uma igreja mais inclusiva e menos julgadora. O senhor também fala muito sobre acolhida. Como se tornar uma igreja mais inclusiva e acolhedora com princípios que, algumas vezes, excluem divorciados e homossexuais, por exemplo? 

    Dom Severino: O diálogo é o princípio áureo para o acolhimento. Como vou cuidar se não acolho? A pessoa precisa ser acolhida. Não podemos aceitar o pecado, mas acolher a pessoa. Todas as pessoas vivem uma situação própria, particular e é preciso saber se aproximar, acolher, ouvir, ajudar nas aflições e angústias. Ninguém é tão forte e poderoso que não precise de outras pessoas para se sentir acolhido, cuidado e amado.

    MP:  A Catedral de Maringá é um monumento religioso, mas também se tornou símbolo e cartão postal da cidade. Recentemente, o perfil oficial da Prefeitura de Maringá postou uma imagem da Catedral iluminada com várias cores e na legenda uma hashtag relacionada à causa LGBTQIA+. Alguns católicos criticaram a postagem, acusaram de vilipêndio à símbolo religioso e a prefeitura apagou a postagem. Para o senhor, a publicação desrespeita a fé católica? 

    Dom Severino: Não vi a postagem, mas soube que houve um equívoco e logo solucionado, com diálogo. As cores da Catedral são definidas segundo o tempo litúrgico da igreja. A Catedral fica colorida nos períodos do Natal e Páscoa. Pelo que soube, quando a postagem foi feita o tempo litúrgico é do Tempo Comum, cor verde e não o colorido. Então, é importante comunicar a verdade sempre em um contexto. E o contexto é este. Com respeito a todos, de todos os lados, tudo se resolve.

    MP: Em julho, um grupo de 152 arcebispos e bispos da Igreja Católica assinou uma carta com críticas ao presidente Jair Bolsonaro. O senhor, ainda como bispo de Caçador (SC), assinou a carta. Por que o senhor assinou o texto? Como membros do clero podem se posicionar em relação à política?  

    Dom Severino: Prefiro sustentar o que digo e escrevo. Não publiquei a referida carta na Diocese de Caçador e nem na Arquidiocese de Maringá. Os fatos comprovam e prefiro falar sobre fatos concretos e não por suposições, ideologias, calúnias, agressões que fomentam o ódio. Estou a serviço da unidade, do amor, da integração, da dignidade, da sensibilidade humana, do cuidado e do acolhimento. Por isso, a Igreja não toma partido político partidário, mas tem obrigação com a ética, com a verdade, com a justiça e com o Evangelho. 

    MP: No domingo (16/8), grupos religiosos fundamentalistas tentaram impedir um aborto legal de uma criança de 10 anos estuprada pelo tio há pelo menos quatro anos. A Igreja Católica é contra o aborto em qualquer circunstância. O senhor acredita que a igreja deve rever o posicionamento em relação ao aborto em algumas situações como no caso de estupro? 

    Dom Severino: A Igreja é sempre a favor da vida e contra todo tipo de violência, de abuso. Em todas as circunstâncias, sempre a favor da vida. Como defender a vida? Devemos oferecer ajuda humanitária, espiritual, sanitária, educativa, clínica, social, psicológica para que toda a vida seja protegida. Nenhum sensacionalismo deve ser feito para arrancar respostas imaturas e interesseiras. Se há sinal de proteger a vida, ali se deve garantir que a vida siga. Pois nossa vida pertence a Deus e Deus nos dá e recolhe a vida. É preciso cuidar da vida intrauterina como a vida na família e na sociedade. 

    São milhares e milhões de pessoas que perderam a vida no Brasil no momento em vista do coronavírus. Toda vida importa. Vidas que esvaziaram lares e deixam órfãos crianças e adultos. É preciso se esforçar, utilizar todos os meios disponíveis que a sociedade e a Igreja têm para proteger toda a vida e dar dignidade a todas as pessoas. Quem machuca, tira a dignidade da pessoa, deve ser recolhido e receber as correções que a sociedade tem disponível. A prisão, ou outros meios de reparação é para corrigir e reconstruir a vida de quem erra. Além da sociedade, temos o último julgamento que pertence a Deus. Deus é o que nos julga por último quando chegarmos diante dele face a face após o término da nossa missão nesse mundo. 

    Sobre Dom Severino Clasen

    Nascido em Petrolândia (SC), Dom Severino Clasen emitiu a profissão religiosa na Ordem dos Frades Menores Franciscanos em 1981. No ano seguinte, em 10 de julho de 1982, foi ordenado sacerdote. Em 2005, ele foi nomeado bispo de Araçuaí (MG). Em 2011, foi transferido para Caçador (SC), onde ficou até 2020 com a transferência para Maringá

    Dom Severino tomou posse em 15 de agosto no dia da padroeira da cidade, Nossa Senhora da Glória. A Arquidiocese de Maringá estava sem arcebispo desde novembro do ano passado, quando o Papa Francisco aceitou o pedido de renúncia solicitado por Dom Anuar Battisti. Ele apresentou o pedido por motivos de saúde.

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