Medida adotada pela Prefeitura de Maringá para combater a transmissão do coronavírus, o isolamento social, com o fechamento do comércio e escolas, é questionado por empresários e entidades que representam o setor econômico da cidade.
Apesar disso, há alguns empresários e entidades representativas da comunidade que apoiam as ações do município.
O prefeito Ulisses Maia (PDT) tem enfrentado pressão para revogar o decreto e permitir a retomada das atividades econômicas na cidade.
Na quinta-feira (26/3), empresários organizaram um buzinaço em Maringá para cobrar da prefeitura a reabertura das empresas. No mesmo dia, 15 entidades, incluindo a Associação Comercial e Empresarial de Maringá (Acim), enviaram carta ao prefeito solicitando a retomada das atividades.
De outro lado, quase 40 entidades representativas da comunidade assinaram na sexta-feira (27/3) uma carta aberta à sociedade em apoio às medidas de isolamento adotadas em Maringá. As entidades envolvem pesquisadores, sanitaristas, epidemiologistas, planejadores, gestores e outros grupos. Acesse aqui a carta.
A crise do coronavírus extrapola questões sanitárias e deve causar impactos na economia. Pesquisa divulgada na segunda-feira (30/3) pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) revela que 92% das indústrias consultadas estão tendo impactos negativos.
Em relação à queda da demanda por produtos, por exemplo, 79% das indústrias pesquisadas perceberam redução nos pedidos.
No entanto, alguns empresários maringaenses, conscientes dos prejuízos econômicos que já começaram a enfrentar, defendem o isolamento social.
O Maringá Post conversou com o empresário Gilmar Santos e o proprietário do Salão Mônika Ganem, João Roberto Fraguas. Eles defendem as medidas adotadas em Maringá e dizem acreditar que os números mostram que o isolamento é fundamental para combater o coronavírus.
Em entrevista, os empresários também explicam as medidas que adotaram nos negócios para preservar a saúde dos funcionários e combater os prejuízos econômicos. Confira a entrevista:
Maringá Post: O senhor defende o isolamento total, com o fechamento do comércio e escolas, como é hoje em Maringá?
Gilmar Santos: Não sou médico epidemiologista, sou engenheiro. Como todo engenheiro, eu gosto muito de números. Os números e estatísticas que tenho visto sobre a pandemia são claros: a curva de crescimento da doença no Brasil, se comparada aos demais países e ajustada para o número de dias desde a centésima comprovação da doença, nos mostra um cenário muito ruim para as próximas semanas. Esses números publicados pela Universidade Johns Hopkins nos mostram que o isolamento, nos moldes como está ocorrendo em Maringá, é fundamental para que minimizemos o número de mortes e evitemos o caos na saúde pública.
Evidentemente, esta situação de isolamento total e fechamento do comércio necessita de reavaliação diária. Todos os agentes envolvidos têm de participar da decisão sobre a reabertura. Quando pensamos em comércio fechado, logo nos vem à mente as lojas de shopping center, mas é muito mais do que isso, temos que nos lembrar das clínicas médicas, das pessoas que necessitam de algum tratamento fisioterápico, dos serviços de manutenção corretiva e preventiva que as máquinas de produção necessitam, enfim a roda que gira a sociedade não pode ficar parada indefinidamente.
Porém, temos que olhar o que está acontecendo nos Estados Unidos, na Itália, na Espanha, na Inglaterra e no Irã, que estão duas semanas à nossa frente, e aprender com seus erros e seus acertos em suas medidas sanitárias.
Agora, alguns fatores podem atenuar a nossa curva de novos casos diários, mas ainda não há comprovação, somente estudos. Li, recentemente, dois papers, um que fala da influência do clima na propagação da doença e outro que fala sobre a correlação entre a política de vacinação BCG e a morbidade e mortalidade na COVID-19; BCG é aquela vacina contra a tuberculose e que é tomada pelas crianças ainda na maternidade. Esses dois estudos, se comprovados, atuarão a nosso favor e atenuarão os efeitos da pandemia no Brasil.
Veja, eu sou comerciante. Os cinemas foram os primeiros a fechar, faturamento zero, um desastre financeiro. Os restaurantes, com a exceção do delivery, estão todos fechados, outro desastre financeiro que eu levarei anos para recuperar, mas, em sã consciência, não há como negar a realidade dos números e reabrir o comércio, pelo menos pelas próximas duas semanas e, mesmo assim, só com uma posterior análise da situação. Tenho que pensar nos meus colaboradores como penso na minha família.
João Fraguas: O que poderíamos definir como fechamento total? Não chegamos a esse ponto. Muitas pessoas e empresas atendendo em domicílio, o que foi proibido em muitos países. Ontem [segunda-feira (30/3)], por exemplo, fui ao supermercado e vi pelo menos 50 pessoas em volta do Parque do Ingá e outros tantos de bicicleta. Imaginou se flexibilizarem o isolamento?
Precisamos manter esse sistema por mais uns 10 dias, pelo menos, para que possamos ter dados confiáveis para avaliar os efeitos do coronavírus e aí sim acertar e propor novas medidas para nossa cidade.
MP: Entidades que assinaram uma carta enviada ao prefeito Ulisses Maia pedindo a reabertura do comércio afirmam que pode haver um colapso econômico e social se as atuais medidas de isolamento forem mantidas. O senhor acredita nesse colapso? Se sim, por que o senhor defende a manutenção do isolamento?
Gilmar Santos: Respeito muito as opiniões contrárias às minhas. As entidades civis são um esteio para Maringá, nelas trabalham empresários sérios, dedicados, responsáveis e abnegados. Cada um deles, interessado no bem comum. Contudo, as opiniões podem divergir em determinados assuntos. Este é um assunto em que há muita divergência. O bom dessas entidades é que há voz para todos. Nessas entidades existe a dialética, que é, segundo Sócrates, a arte de debater para se achar a verdade sem a necessidade de querer estar certo.
Reitero, é preciso entender o que está acontecendo ao nosso redor. Na Itália, em Milão, houve um movimento para reabertura do comércio logo no início da crise. Foi um erro monumental, os números dispararam e a situação agravou-se muito. Ontem, dia 30 de março, a manchete da CNN dizia que o presidente Trump, convencido pelos números, segundo o Dr. Anthony Fauci — maior especialista em doenças infecciosas daquele país e consultor especial da Casa Branca —, decidiu estender as regras de isolamento social. O que estou tentando dizer é que os números não mentem. Sabemos, baseados em estatística, a realidade que enfrentaremos se não mantivermos o isolamento.
Com relação a um colapso econômico, caso mantidas as ações restritivas, acredito que passaremos por momentos muito difíceis, acho que nunca enfrentamos uma conjuntura tão ruim, haverá desemprego, haverá falências, com certeza. Tenho uma profunda preocupação com os prestadores de serviços, com os pequenos comerciantes, com aqueles que estão na informalidade. É fundamental que os governos municipais, estaduais e federal tomem ações para ajudá-los a mitigar o resultado desta situação e suportar as perdas econômicas.
João Fraguas: Acredito, sim, que haverá um colapso econômico, mas antes veremos o colapso do sistema de saúde, que certamente será muito traumático.
Se o comércio reabrisse hoje você iria frequentar normalmente a sua academia? Sua igreja? A tendência é a gente evitar sair de casa quanto mais próximo estivermos do centro do furacão.
Esse dito isolamento vertical não deu certo em lugar nenhum do mundo: Inglaterra, Londres, México e Estados Unidos propagaram esse método e desistiram dele. Quem entra em barco naufragando?
MP: Na segunda-feira (30/3), o presidente Jair Bolsonaro afirmou que “se o emprego continuar sendo destruído, mortes virão por outros motivos”. Como empresário, o senhor acredita que é possível manter o isolamento decretado pelo município e segurar os empregos? De que maneiras isso pode ocorrer?
Gilmar Santos: Primeiro temos que entender que o isolamento é temporário. Temos que ter uma visão de longo prazo e acreditar que esta é a melhor receita para podermos continuar trabalhando no futuro. Se ficamos doentes e o médico nos diz que devemos passar por uma cirurgia e que ficaremos afastados por determinado tempo (pois, caso contrário, a situação pode piorar), fazemos a cirurgia.
Respondendo a pergunta, acredito que ações do governo como a prorrogação de prazos para pagamentos de tributos, auxílio para o pagamento de folha de pagamento desde que os empregos sejam preservados, supressão temporária de encargos sociais, legislação que atue efetivamente nos aluguéis contratuais devidos no período da crise, oferta de linhas de crédito através de bancos estatais e de desenvolvimento social, sem juros, com carência de doze meses, sem burocracia, entre outras atenuariam o desemprego e injetariam ânimo para que o período de crise financeira fosse o menor possível.
João Fraguas: Primeiro, achei um absurdo essa declaração. Quanto a mortes no futuro, isso é uma incógnita, enquanto as mortes no presente são um fato.
A BBC e o jornal O Globo publicaram essas dias um estudo que mostra que cidades que aplicaram o isolamento conseguiram normalizar sua economia antes dos que não o fizeram. Não vejo como uma comunidade machucada por milhares de perdas possa se recompor rapidamente.
MP: Quais medidas o senhor adotou ou pretende adotar nos seus negócios para preservar a saúde dos funcionários e combater possíveis prejuízos econômicos?
Gilmar Santos: Hoje, 95% dos meus funcionários estão em casa, a grande maioria não pode trabalhar via home office. Aqueles que são necessários para atender o delivery e as atividades burocráticas tiveram a jornada diária reduzida em 25%. Aqueles que trabalham nos restaurantes seguem todos os procedimentos de segurança e higiene prescritos e também aqueles procedimentos cotidianos, referentes às boas práticas de segurança alimentar.
Não se pode falar em “possíveis prejuízos econômicos”, os prejuízos econômicos são um fato. Da minha parte, meu prejuízo financeiro é enorme, ainda não tive a coragem de esboçar um cálculo. Não quero ser um avestruz e esconder a cabeça debaixo da terra, mas quero trabalhar um dia de cada vez, tomando as decisões conforme a cada situação.
Uma coisa é certa, caso os números mudem ou alguém me convença com dados concretos e não com achismos, vou ficar muito feliz em mudar de ideia. Por enquanto, recomendo ficar em casa e como cristão, sou luterano, digo: nos momentos mais difíceis, tenha fé e leia o Salmo 23.
João Fraguas: Desde a crise causada pela H1N1, mudamos muito a nossa rotina com relação à higienização. Desde aquela época, mantemos sempre à mão de todos uma grande quantidade de álcool gel.
Pouco antes do fechamento [devido ao coronavírus], aumentamos os espaços entre os colaboradores, reforçamos os processos de esterilização de materiais e estabelecemos um número máximo de clientes dentro do estabelecimento, bem como uma escala dos profissionais.
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