HU realizou 140 procedimentos cirúrgicos pós-aborto em Maringá em 2018. Não há divisão entre casos espontâneos e provocados

  • O tema é considerado tabu e as discussões ganham mais visibilidade no âmbito criminal, sem considerar o viés da saúde pública. No Hospital Universitário (HU), por exemplo, foram realizadas 140 procedimentos cirúrgicos pós-aborto em Maringá em dez meses. É praticamente um atendimento a cada dois dias.

    Os dados não trazem a distinção entre os casos provocados e espontâneos. O HU,  hospital escola da Universidade Estadual de Maringá (UEM), é referência no Sistema Único de Saúde (SUS) para os casos de pós-aborto em Maringá e região. Em todo o ano passado, o hospital realizou 167 atendimentos.

    O número de 140 procedimentos, entre janeiro e outubro de 2018, inclui as mulheres que procuraram atendimento nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs) de Maringá. Todos os casos na rede pública da cidade são direcionados ao HU.

    Na rede municipal de saúde, a reportagem não conseguiu informações sobre todos os casos registrados na cidade. Os procedimentos pós-abortos eventualmente feitos por meio de planos de saúde ou em clínicas e hospitais particulares não são contabilizados publicamente pelo município. O HU é a única fonte oficial.

    Nacionalmente, segundo dados do Ministério da Saúde publicados no portal Nexo, há um registro de 200 mil internações decorrentes de aborto por ano no país.

    No Brasil, o aborto é considerado crime contra a vida, com poucas exceções como casos de concepção por estupro ou de fetos encefálicos.

    Em casos provocados por outras razões, o Código Penal de 1940 prevê pena de um a três anos para a gestante que provocar ou consentir que outra pessoa provoque aborto.

    “As mulheres que provocam aborto não chegam na unidade e falam: “Vou fazer aborto”, porque sabem que é crime e chegar nessa mulher é difícil”, afirma a coordenadora municipal da Saúde da Mulher, Criança e do Adolescente, Lucineia da Silva Lucas.

    Segundo a coordenadora da Saúde da Mulher, tanto em casos de aborto espontâneo ou provocado, o hospital “vai fazer todos os cuidados necessários para salvar a usuária”. Se ela falar que foi provocado, o profissional de saúde deve comunicar as autoridades.

    No caso de aborto espontâneo, ela explicou que a mulher continua com atendimento médico e, se necessário, psicológico e social.

    Prevenção ao aborto é complexo

    Em Maringá, profissionais da saúde reconhecem que perceber que a mulher não deseja a gestação é um desafio. Lucineia diz que o trabalho pode se tornar menos complicado quando a mulher frequenta a unidade de saúde.

    Porém, a coordenadora reconhece que, na maioria das vezes as mulheres que não aceitam a gestação também não procuram o posto de saúde para dar início ao pré-natal. Para Lucineia, é nesse momento que a figura do agente de saúde que visita as casas se torna importante.

    “Se o profissional já conhece ela e os problemas sociais que enfrenta, ele começa a ficar de orelha em pé. Ele tem que ter a sensibilidade de perceber que essa mulher pode chegar no aborto, o que a gente não quer que aconteça, e orientar sobre a entrega voluntária e os riscos de vida que ela corre”, afirmou Lucineia.

    Neste mês, o projeto de lei aprovado na Câmara de Maringá que estabelece 8 de outubro como o Dia de Conscientização Contra o Aborto foi sancionado pelo prefeito Ulisses Maia (PDT).

    A proposta é que os Poderes Públicos e a inciativa privada realizem campanhas, seminários, palestras e mobilizações sobre os direitos do nascituro e do direito à vida.

    Em agosto deste ano, a pedido da ministra do Supremo Tribunal Federal (STF), Rosa Weber, a legalização do aborto até a 12ª semana de gestação foi discutida em audiências públicas. A ação apresentada no STF afirma que dois dispositivos do Código Penal que criminalizam o aborto afrontam a dignidade da pessoa humana, a liberdade e a igualdade. Em Maringá, a igreja católica organizou uma vigília contra a legalização.

    Lei Municipal incentiva entrega voluntária

    Para Lucineia da Silva Lucas, os profissionais de saúde tem a responsabilidade de orientar as gestantes sobre outras saídas que não o aborto. Uma delas é a entrega voluntária do bebê para adoção, que não é crime e está prevista no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA).

    Até julho deste ano, três bebês foram entregues voluntariamente para adoção na Vara da Infância e Juventude de Maringá. Em 2017 foram nove bebês. Em Maringá, lei sancionada neste ano obriga as unidades de saúde e as instituições de ensino públicas e privadas afixar placa orientando sobre a entrega voluntária de bebês, com endereço e telefone da Vara de Infância.

    A legislação também foi aprovada em São Paulo e no Distrito Federal, mas abrangendo apenas unidades de saúde. De acordo com Lucineia, os profissionais de saúde conhecem a legislação, mas não tem a prática de informar a mulher sobre a entrega voluntária.

    “Se a mulher não expõe para ele que não quer a criança, ele também não vai falar”, disse. Segundo o juiz de direito substituto, Robespierre Foureaux Alves, a lei é importante, pois informa as mães sobre um direito que é desconhecido pela maioria das pessoas e pouco divulgado pelos profissionais de saúde.

    “É comum ouvirmos de mães em audiência que não foram devidamente orientadas quando foram atendidas em postos de saúde e hospitais. Há ainda relatos de profissionais que teriam insistido para que a mãe fique com a criança e coagido a mãe a contar sobre a gravidez para seus familiares”, contou.

    Para ele, a legalização do aborto não seria solução para evitar o abandono de bebês, mas sim a divulgação de informações sobre a entrega voluntária.

    É de suma importância que o assunto seja divulgado e chegue ao conhecimento não só das gestantes, mas também de todos que atuam na Rede de Proteção, a fim garantir a vida, a integridade física e psicológica e o pleno desenvolvimento dos bebês”.

    Quem entrega o filho para adoção na Vara da Infância de Juventude tem a privacidade garantida. Todo o procedimento de entrega é sigiloso. Os autos em que são formalizados os atos do procedimento estão protegidos por segredo de justiça e não são acessíveis ao público.

    Além disso, a mãe tem o direito de manter em segredo o nome do pai do filho e também é garantido à mãe ou aos pais o direito de não contar a ninguém da família ou convívio social sobre a entrega voluntária.

    Apenas se a mãe disser que sabe quem é o pai e fornecer os dados, autorizando que o juiz procure o suposto pai, este será contatado para saber se assume a paternidade e se pretende ficar com a criança.

    • Caso queira saber como se habilitar ou pretenda entregar seu filho voluntariamente para adoção, compareça à Vara da Infância e Juventude (Avenida Tiradentes, nº 380, Zona 01), ligue para (44)3472-2311 ou (44)3472-2377 ou envie uma mensagem para [email protected].

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