Jean Marques, líder do prefeito na Câmara e procurador municipal, diz que mentalidade que administrador público deve recorrer às últimas instâncias é ultrapassada

  • A pedido do Maringá Post, o líder do prefeito na Câmara de Maringá, vereador Jean Marques (PV), se dispôs a responder, por e-mail conforme proposto pela reportagem, algumas perguntas sobre o pagamento de verbas requeridas por oito contadores da prefeitura sem que a ação tivesse decisão de instância superior.

    Jean Marques é graduado em Direito pela Universidade Estadual de Maringá, especialista em Direito Empresarial pela Universidade Potiguar e procurador municipal de Maringá desde 2009. Segundo ele, a mentalidade que obriga o poder público recorrer até as últimas instâncias está superada.

    Veja a entrevista na íntegra:

    Maringá Post –  A doutrina do direito público não pressupõe o princípio da indisponibilidade? O de sempre sobrepor o interesse público aos interesses dos indivíduos e privados?

    Jean Marques – Sim. E o princípio da indisponibilidade pressupõe que o administrador não deve tratar a coisa pública ao seu bel prazer, devendo observar a aplicação da lei quando se trata do patrimônio público, buscando a solução que melhor atenda ao interesse público. Esse princípio se contrapõe ao interesse do particular, que pode adotar qualquer solução que quiser, ainda que lhe importe prejuízo.

    MP Por esse princípio, a boa prática administrativa não indica que os poderes públicos devem recorrer até às últimas instâncias no caso de sentenças desfavoráveis?

    JM – Não. Como dito, esse princípio indica que o administrador deve adotar a melhor posição que atenda ao interesse público. Antigamente predominava essa mentalidade, já ultrapassada, de que o Poder Público deveria recorrer até as últimas instâncias ainda que isso pudesse se tornar prejudicial ao interesse público, o que gerou inúmeras dívidas quase impagáveis aos entes públicos que insistiam no erro enquanto postergavam o reconhecimento do direito.

    Atualmente essa mentalidade está superada, inclusive de forma expressa, pelo novo Código de Processo Civil/2015, ao colocar uma pá de cal sobre o tema, dispondo em seu art. 3º, § 2º, dispõe que “o Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos”.

    MP – No caso específico, o que sustenta a legalidade do pagamento da demanda judicial, feito pela prefeitura de Maringá em maio de 2017 para oito servidores, na qual teve por base uma decisão de primeira instância do juizado da Vara Pública?

    JP – A Ação citada tratava-se de um Mandado de Segurança que reconheceu uma violação de direito em uma interpretação dada pela Administração relativa à carreira dos contadores. O pagamento em si sequer era objeto da ação, nem poderia ser pelo tipo de ação em questão (mandamental – Súmula 269/STF).

    MP – Os valores não deveriam chegar à condição de precatórios requisitórios e entrar na fila dos credores da prefeitura de Maringá? A própria sentença diz que sua execução dependeria de decisão de instância superior, não existente no momento
    da quitação.

    JM – Não necessariamente. Primeiro cabe ressaltar que, ainda que o pagamento fosse decorrente de uma sentença condenatória transitada em julgado, a maioria dos beneficiários sequer se sujeitaria ao regime de precatório por representarem valores a serem pagos por Requisição de Pagamento de Pequeno Valor (RPV), já que para expedição de requisitórios deve ser considerada cada parte individualmente.

    Segundo, vale frisar que o caso não se tratava de uma execução de sentença e o art. 100 da Constituição Federal dispõe que “os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas (…) Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se- ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios”.

    Ainda o § 1º deste artigo determina que “os débitos de natureza alimentícia compreendem aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, (…), em virtude de sentença judicial transitada em julgado, serão pagos com preferência sobre todos os demais débitos”. 

    Como se observa apenas se sujeita ao regime de precatórios os débitos oriundos de sentenças judiciais, e não os demais pagamentos rotineiros, os decorrentes de acordos administrativos ou, ainda, de reconhecimento administrativo. Um exemplo rotineiro são as desapropriações administrativas.

    No caso em questão, a sentença judicial foi mandamental, determinando ao poder público o cumprimento de uma ordem judicial. Dessa ordem, ao ser implementada, decorreram efeitos patrimoniais como uma conseqüência, que devem ser reclamadas pela via própria.

    Como bem dispõe a Súmula 271 do Supremo Tribunal Federal, a "Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria". Ao ser reclamado pela via administrativa esses efeitos, o Município o reconheceu sem a necessidade de demandar uma nova ação judicial.

    MP – Quais as diferenças entre uma ação judicial de cobrança e uma mandamental?

    JM – Uma serve para cobrar o pagamento de valores pecuniários e a outra para emitir uma ordem a ser cumprida.

    MP – A prefeitura teria uma opção legal para não fazer o pagamento naquele momento? Poderia, por exemplo, diante da dita certeza de que era causa perdida, ir fazendo uma reserva financeira para a sua quitação após a ação tramitada em julgado?

    JM – Sim. O Município poderia optar por não reconhecer a reclamação administrativa formulada, indeferindo o pedido.

    Todavia, ao agir assim permitiria as partes propor a competente ação de cobrança destes valores pretéritos, gerando o dever de pagar as custas judiciais e os honorários advocatícios, fixados entre 10% e 20% do débito, relativos a esse novo processo.

    Além disso, estaria sujeita ao pagamento de juros pela mora, em regra, na base de 1% ao mês até a data do efetivo pagamento, percentual muito superior a qualquer investimento que a Prefeitura aplicasse uma eventual reserva formada.

    Deste modo podemos concluir superficialmente que essa decisão causaria um prejuízo maior ao ente público.

    MP – A forma de pagamento, junto à folha mensal, incorporado aos vencimentos do servidor, não caracteriza como sendo salário no referido mês, já que no Portal da Transparência não consta nenhuma outra informação adicional?

    JM – Não se caracteriza como salário no referido mês apenas pela forma de pagamento ou por eventual ausência de informação adicional.

    Essa forma de pagamento subsiste no ordenamento jurídico é denominada “Rendimentos Recebidos Acumuladamente (RRA)”, que se refere a valores não pagos em exercícios anteriores recebido de forma acumulada, possuindo inclusive maneira de tributação própria.

    Todavia, a descrição da verba paga constante no portal da transparência poderia ter sido mais completa e esclarecedora para evitar dúvidas, embora isso não descaracterize o pagamento.

    Minha Conclusão: 

    Cabe inicialmente ressaltar que as respostas foram confeccionadas em tese, já que não pudemos analisar especificamente o processo administrativo. Como se observou, tanto a doutrina quanto a legislação pátria tem caminhado para a solução consensual dos conflitos desafogando o judiciário, que passa a resolver demandas verdadeiramente não consensuais.

    Neste ponto, o reconhecimento administrativo de demanda é mais do que indicado, é incentivado, desde que observado posição mais vantajosa para a Administração Pública do que a resolução judicial.

    No caso em tela, o entendimento adotado pelo órgão jurídico da Administração Municipal estava correto, tanto que a sentença foi integralmente confirmada pelo Tribunal de Justiça.

    Assim, diante da reclamação administrativa cobrando os efeitos patrimoniais, ao se vislumbrar tratar de uma demanda perdida e havendo recursos orçamentários para dar-lhe cumprimento, o Município optou por minimizar os prejuízos a serem experimentados com uma nova demanda judicial, juros, etc.

    Vale ressaltar ainda que, quase diariamente, há requerimentos administrativos reclamando o pagamento de valores pela Administração Pública, os quais são reconhecidos e pagos via administrativa, sem a necessidade de judicialização, o que tem que ser incentivado cada dia mais.

    Quanto ao mérito dos pagamentos, aí cabe ao controle interno e externo, incluindo à Câmara de Vereadores, averiguar se são devidos ou não. No caso especifico, com a posterior confirmação da sentença e seu trânsito, se demonstrou devido o direito.

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