Um novo embate político e ideológico deverá ser travado na Câmara de Maringá na próxima segunda-feira (4/12) entre os vereadores Carlos Mariucci (PT) e Homero Marchese (PV). Desta vez, não será na Comissão Processante (CP), e sim na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
E o tema não será a denúncia de quebra de decoro parlamentar, mas o projeto de lei que institui o programa Escola Sem Partido na rede municipal de ensino.
Outras duas coincidências em relação as duas comissões são que o projeto de lei é do vereador William Gentil (PTB), presidente da CP, e que o outro membro da CCJ é o vereador Jean Marques (PV), do mesmo partido que protocolou a denúncia contra o presidente da CCJ, Marchese.
Em resumo, o programa pretende impor limites aos professores no que diz respeito a influências religiosas, ideológicas e de gênero.
O projeto de lei prevê direitos e, principalmente, deveres dos professores dentro da sala de aula. Impede, por exemplo, que convicções e crenças particulares influenciem os alunos nas decisões e denigram os que forem contrários.
Também veta que seja tratado qualquer assunto que possa ter interferência da educação religiosa e da família, como os temas relacionados a identidade de gênero. Além disso, um cartaz sobre os “deveres do professor” devem ser afixados em todas as salas de aula.
Na segunda-feira, a CCJ deverá se manifestar, para efeitos de admissibilidade e tramitação do projeto de lei, sobre os aspectos constitucional, legal, jurídico, regimental e de técnica legislativa das proposições de Gentil. Caso seja aprovado, a matéria deverá passar por outras comissões permanentes para ser levada à plenário.
Desempate será de Jean Marques
O vereador Mariucci já se declarou contrário à proposta e fará a justificativa por escrito. “Meu voto está fundamentado”, afirmou, sem mais comentários. Já Marchese, presidente da CCJ, adiantou que o parecer jurídico da assessoria foi favorável.
Marcehese é um dos apoiadores da proposta, tendo inclusive participado de uma reunião aberta, em julho, com outros simpatizantes, membros do Movimento Brasil Livre (MBL) e o articulador nacional, Miguel Nagib.
Dessa forma, resta ao terceiro membro da CCJ, vereador Jean Marques definir a aprovação ou não do projeto de lei. Questionado nesta sexta-feira (1/12) sobre qual será seu voto, ele respondeu que aguarda informações da secretaria de Educação sobre aspectos técnicos do sistema educacional para tomar uma decisão, mas disse que inicialmente é “favorável em certos pontos”.
“É importante frisar que o trabalho da CCJ é puramente técnico e não se baseia no mérito da matéria, que só viria a ser debatido em plenário”, observa Marques. “Tudo depende de entender alguns aspectos. O município tem gerência pedagógica para definir esse tipo de assunto?”, questiona.
Em algumas cidades do Brasil, projetos de lei semelhantes foram declarados inconstitucionais pela Justiça depois de aprovados em comissões legislativas permanentes.
Autor do projeto quer ouvir as críticas
O vereador William Gentil, autor do projeto de lei, afirma que a inspiração veio do movimento nacional do Escola Sem Partido e que seguiu os moldes propostos sugeridos pelo movimento. Gentil diz que atendeu a “pedidos da população”.
Em contraponto, também ocorreram críticas por parte de servidores municipais e outros movimentos nas redes sociais. “É importante ouvir todos os setores da população e, assim, construir uma proposta que funcione, mesmo que sejam necessárias alterações. Aqui existem os dois lados, mas os contrários são uma pequena minoria”, acredita Gentil.
Sobre os pontos de conflito da matéria, especialmente sobre o que seria censura e limitações da independência e liberdade dos educadores, o vereador defende o que propôs.
“Estamos num momento em que valores educacionais ficam de lado e temas que competem à família são tratados de forma inadequada. Política e opção sexual não fazem parte das competências da escola, são educação de casa”, argumenta.
O Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP) tem se manifestado fortemente contrário à iniciativo. A secretária de Organização, Maria Genovês, disse que em 25 anos de trabalho em escolas nunca houve qualquer tipo de ação partidária.
“O único tipo de ação é aquele que informa, que mostra as escolhas, que defende os menos favorecidos”, afirma Genovês, e acrescenta: “Isso é uma aberração, são pessoas ignorantes que aprovam essa iniciativa sem conhecer o sistema educacional ou qualquer prática pedagógica”.
Para ela, o projeto de lei “é uma censura, com a intenção de alienar. Ideologia de gênero não existe, ninguém estuda para saber se é homem ou mulher”.
Sobre a situação de pensamentos diferentes, ela diz que existe a militância individual, mas de todos os âmbitos, seja de direita ou esquerda. Sobre isso, disse que “parece que existe medo do diálogo, que a esquerda possa ser melhor do que a direita”.
Discussão ampla no Paraná
Com mais de 150 pessoas, um debate sobre o projeto teve ânimos exaltados em Londrina. Com a presença do autor do projeto de lei, Filipe Barros (PRB) e o fundador do programa, Miguel Nagib, na oposição estavam o vereador Amauri Cardoso (PSDB) e o professor Khalil Portugal.
Dentre as manifestações, houve ameaça de processo e reclamações sobre a censura no microfone que, segundo alguns participantes, teria deixado o debate “vazio”. O projeto foi aprovado pela CCJ da Câmara de Londrina, mesmo sem o parecer favorável da procuradoria jurídica.
Em Curitiba, projeto semelhante foi aprovado em comissão da Câmara e seguirá sua tramitação, apesar da posição adversa da secretaria de Educação da cidade, que publicou um parecer do Departamento de Ensino que considera a proposta contrária à política educacional municipal.
Na Assembleia Legislativa do Paraná, o projeto tem sido adiado continuamente por conflitos dentro da bancada evangélica. Ricardo Arruda (PEN) reclamou da demora e o relator, Edson Praczyk (PRB), acusou Arruda de espalhar informação sobre um boicote. Ambos são pastores evangélicos.
O projeto atual prevê denúncias anônimas contra professores à secretaria de Educação e os professores ficam proibidos de estimular “alunos a participar de manifestações, atos públicos e passeatas, sujeitos a processos administrativos e até demissão”.
Um primeiro projeto semelhante foi arquivado em 2015 e a APP afirmou que a proposta seria uma retaliação ao confronto de 29 de abril, quando discutia-se o reajuste fiscal do governo.
Apoiadores se mobilizam no Congresso
Na Câmara dos Deputados, há uma comissão que analisa a proposta do deputado Erivelton Santana (PEN-BA). Uma audiência ocorreu em outubro e a comissão também se encontrou com representantes do Movimento Brasil Livre (MBL).
Em razão desse trabalho na Câmara Federal, o senador Magno Malta (PR-ES) retirou de tramitação a própria proposta do Senado. A intenção é que, com a aprovação mais favorável dos deputados, o projeto chegue diretamente ao plenário e Malta seja o relator.
Na comissão que havia no Senado tinha sido apresentado um relatório pela rejeição, do relator Cristovam Buarque (PPS-DF). “O que eu espero é que quando chegue aqui se escolha um relator capaz de analisar o assunto sem preconceito”, afirmou Buarque.
Coordenador do Movimento Educação Democrática e professor da Universidade Federal Fluminense, Fernando Penna, avaliou que é positiva a retirada, mesmo que indefinido o cenário. Para ele, a proposta não tinha força no Senado.
Proposta é de nível nacional
Atualmente há projetos baseados no Escola Sem Partido em Assembleias Legislativas de 14 Estados e em 66 municípios. O coletivo Professores Contra o Escola Sem Partido mapeia todo o país e faz atualizações regulares, indicando os lugares onde há tramitação de proposta.
O movimento foi criado em 2004 pelo advogado Miguel Nagib, que afirma que professores aproveitam da atenção cativa dos alunos para promover uma “doutrinação política e ideológica”, que criaria militância de ideais de esquerda.
Ministro do Supremo Tribunal Federal, Luís Roberto Barroso, decidiu contra uma proposta do Estado de Alagoas, justificando que a ideia de neutralidade seria confrontar o pluralismo e promoção da tolerância sustentados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação. Em Belo Horizonte, o Ministério Público alertou sobre a inconstitucionalidade do projeto.
Uma manifestação de repúdio também foi feita pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos. Para o conselho, o objetivo é “restringir a liberdade de comunicação” e impedir o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”.
Em julho de 2016, o Canal Futura recebeu Fernando Penna e Miguel Nagib para debaterem o projeto. Nagib refere-se ao pedagogo Paulo Freire como “pedagogo do PT” e que “não entendia nada de Direito Constitucional”, enquanto Penna defende direitos do professor que preparam para “exercício da cidadania”.
Assista abaixo, na íntegra.
- Primeira atualização, com o adiamento da discussão na CCJ em razão da Seduc ainda não ter entregado as informações solicitados pelo vereador Jean Marques, feita às 15h30 desta segunda-feira (04/12/2017).
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