Com oito fábricas, Maringá já produz 165 mil litros de cerveja artesanal por mês, deve passar de um milhão em 2020 e trabalha para criar uma rota cervejeira de respeito

  • Está em processo de fermentação um roteiro cervejeiro em Maringá. A cidade conta com quatro cervejarias artesanais registradas no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) em franca produção e expansão. Outras quatro aguardam registros fabris e alvarás. Enquanto isso, produzem de forma “cigana” ou experimental.

    O ingrediente mais importante, a paixão pelo líquido criado há 6 mil anos pelos sumérios, é abundante na cidade e correspondido pelo poder público local e pelo trade turístico. A Semana do Turismo (de 16 a 20/4), por exemplo, tendo à frente o diretor de Turismo Amarildo Torres, reservou espaço para dois tours cervejeiros para promover o projeto.

    Organizada no Núcleo Cervejeiro de Maringá (Nucem), a rapaziada dos maltes, lúpulos e leveduras já produzem cerca de 165 mil litros por mês (l/m) e tem levado Maringá ao topo dos pódios nacionais. O último Festival Brasileiro da Cerveja, o mais importante do país, consagrou a Cervejaria Cathedral – brewpub aberto no final de 2016, no Jardim Alvorada.

    Com 15 medalhas, sete de ouro, a Cathedral conquistou o título de Melhor Cervejaria do Ano – 2018, em Blumenau (SC). O engenheiro químico Guilherme Palu, um dos quatro sócios, disse que a cervejaria produz 10 mil l/m e que o bar trabalha, em média, com 16 tipos de cervejas, mas faz muito mais, das escolas belga e alemã.

    Prêmios também fazem parte da história do Eden Beer, a primeira cervejaria artesanal de Maringá, que abriu as portas do bar e as torneiras da fábrica na Vila Operária no dia 6 de dezembro de 2010. De lá para cá, só cresceu. Começou com 5 tanques e produzindo 4 mil l/m. Agora são 16 tanques e 140 mil l/m e, em 2020, serão 1 milhão l/m.

    O grande impulso, disse o mestre cervejeiro Fernando Lezcano, foi o delivery. A Eden Beer, que atende 50 cidades, acaba de instalar uma engarrafadora, capaz de envasar 3 mil garrafas por hora e finaliza o projeto de uma nova planta, no Parque Industrial de Maringá: “A primeira coisa que fizemos antes de comprar o terreno foi ver a qualidade da água”.

    Mestre cervejeiro da Eden Beer, Fernando Lezcano: fábrica nova no Parque Industrial de Maringá

    Incentivo à indústria de equipamentos cervejeiros

    Presidente do Nucem e dono da Cervejaria Araucária, o engenheiro químico Rodrigo Frigo, também coleciona prêmios para as criações que produz no Jardim Alvorada desde o final de 2016 – hoje são 8 mil l/m. Além de produzir e ajudar as novas cervejarias, ele é um entusiasta da fabricação de equipamentos utilizados nas fábricas de cervejas.

    Isso mesmo, Maringá produz fermentadores de 200 litros a 10 mil litros, salas de brassagem (a cozinha industrial dos cervejeiros) e outros acessórios. A Apitec Equipamentos, indústria que há 22 anos faz equipamentos à área de alimentos, entrou no ramo cervejeiro em 2016, atendendo a um pedido de Frigo.

    O diretor técnico da Apitec, Carlos Bianco, disse que após a experiência com a Araucária, atendeu outros pedidos da região. “Como há uma variedade de layout e tamanho, fazemos os equipamentos sob encomenda”, disse ele, que apoia a iniciativa de Maringá ter uma rota cervejeira: “É bom para a cidade, o turismo, o comércio e a indústria”.

    Além da Cathedral e do Eden, um novo brewpub, está em maturação. O bar e fábrica da Haka será na Avenida Paiçandu, 805. E segundo um dos dois sócios, o advogado Bruno Rocha, deverá ser inaugurado durante a Copa do Mundo, servindo uma cerveja especialmente feita para a ocasião, chamada Transiberiana.

    “O clima estará mais fresco e por isso criamos a Transiberiana, de corpo denso, que está pronta desde janeiro e sendo finalizada para a Copa”, disse. Começará produzindo mil l/m e colocando no cardápio de oito a dez tipos, que serão substituídos de tempos em tempos. A prática é usual aos pontos de venda que seguem o conceito de consumo próximo à fábrica.

    Outra cervejaria que já está com a fábrica pronta e aguardando a documentação para abrir os barris é a Hallertau, no Jardim Real, do farmacêutico e químico Alex Pereira Ferro, que recentemente veio de Toledo para produzir cerveja em Maringá. A fábrica tem capacidade produtiva de 1,5 mil l/m. “No começo, vamos abrir o bar apenas aos sábados”, diz.

    No momento, Ferro está em fase de experimentação de duas receitas, uma pilsen e outra lager. “Já comecei a vender para amigos e parentes, pois foram tantas experiências que não tenho mais onde estocar”, conta. De onde vem o nome? “Hallertau é o nome da região da Alemanha que mais produz lúpulo no mundo”, responde.

    “Ciganos” têm apoio de cervejeiros estabelecidos

    A montagem de uma fábrica exige um investimento razoável e, enquanto o dinheiro não vem, os ex-cervejeiros de panela recorrem à prática que os iniciados chamam de “cigana” – alugam os equipamentos de outras cervejarias. A colaboração é uma característica do meio e a terceirização muito comum no início da produção comercial.

    Rodrigo Frigo, da Araucária e presidente do Nucem: parceria com as cervejarias

    A Redcor, por exemplo, começou junto com a Araucária e atualmente produz cerca de 1,5 mil l/m nas fábricas que se encontram disponíveis. De dois sócios, o contador David Redmerki e o empresário Edivaldo Correa, a cervejaria nasceu conquistando prêmios, com rótulos bem humorados, como Cumulus Lupulus, Ryequeoparta e Cachimbo da Paz.

    A Sagaz também produz cervejas na Araucária. O analista de sistemas e sócio da marca, Hudson Albanez Bezerra, conta que vende 750 l/m e que conquistou prêmios com cervejas produzidas na fábrica do amigo e presidente do Nucem. Bezerra profissionalizou a produção há dois meses e acredita que em 2020 terá fábrica própria.

    Outra cervejaria cigana de Maringá é a Barba Rala, do também analista de sistemas Ivan Carlos Almeida Domingues. Ele e o sócio tiraram a primeira leva no dia 15 de novembro de 2017 e atualmente produzem cerca de 2 mil l/m em Cornélio Procópio, vendidos principalmente para bares especializados em cervejas artesanais maringaenses.

    Uma das cervejas que produz, com registro de receita no Mapa, tem o sugestivo nome de Amansa Louco, “com graduação alcoólica de 6%, é bem aromática e tem um IBU baixo”, diz Domingues, que aprendeu “a fazer cerveja na panela”, como quase todos os cervejeiros profissionais maringaenses. Alguns, somam à prática, formação teórica universitária.

    Bem… IBU, sigla de International Bitterness Unit, é o índice que mede a escala de amargor da cerveja. De um modo geral, quanto mais lupada, mais amarga. Trocando em miúdos, a Amansa Louco parece doce e o sujeito, quando sai da cadeira, acaba percebendo que bebeu mais do que devia.

    Chope e cerveja são a mesma coisa e água é mito

    Os ingredientes básicos de uma cerveja são quatro, sendo que a história corrente nos botecos de que a água é determinante não passa de mito, disse o engenheiro químico Guilherme Palu, durante a visita de um grupo de convidados da diretoria de Turismo da secretaria de Inovação e Desenvolvimento Econômico de Maringá para um tour cervejeiro.

    Palu explicou que existem processos de purificação da água, que vão de filtros, para retirar o cloro da água da Sanepar, por exemplo, à osmose reversa, que retira excessos de sais. “Se você quiser fazer uma cerveja em Maringá com uma água igual a de Londres, é possível”, disse. Os custos desses processos, é outra história.

    Sócios da Cathedral: Guilherme Palu, à esquerda: cerveja tem quatro ingredientes básicos: água, lúpulo, malte e levedura

    Explicou que existem milhares de tipos de cervejas, mas basicamente todas pertencem a duas grandes famílias, Ale e Lager. As diferenças entre as duas são temperatura de fermentação, que na Ale é alta e na Lager é baixa. O sabor da Ale é complexo, frutado e da Lager é acentuado. Quanto ao aroma, a Ale tem notas acentuadas e na Lager é limpo e fresco.

    Já o também engenheiro químico Rodrigo Frigo disse que “chope nada mais é do que cerveja fresca”. Ocorre que, para envasar e não estragar em curto espaço de tempo, a cerveja fresca passa por um processo de pasteurização. É aquecida a 60ºC e em seguida resfriada rapidamente, para matar bactérias.

    No Brasil, costuma-se dizer que cerveja vem em garrafas e chope em barril. “No conceito europeu, cerveja fresca não é chope, é cerveja de barril. É isso que defendemos, o consumo perto da fábrica, sem a degradação do transporte, da variação de temperatura ambiente e de meses em estoques sem refrigeração adequada”, disse Frigo.

    A rota cervejeira feita pelo grupo de convidados da diretoria de Turismo foi à bordo da jardineira que faz os passeios turísticos na cidade nos finais de semana. Ocorreu na terça-feira (17/4), passou pela Eden, Cathedral e Araucária e, em cada uma, uma aula sobre equipamentos, ingredientes, processos e otimismo quanto ao futuro da cerveja maringaense.

    Saúde!

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