Rede de crimes na Amazônia se espalha por 24 Estados, diz estudo

Operações da PF apontam ramificações que inclui extração irregular de madeira e garimpo ilegal, em 254 cidades de 24 Estados.

  • Imagem: Lilo Clareto/Divulgação

    Por José Maria Tomazela

    Estudo do Instituto Igarapé mostra que a rede do crime organizado da Amazônia se espalha por todo o Brasil. Operações da Polícia Federal (PF) apontam ramificações dessa cadeia, que inclui extração irregular de madeira e garimpo ilegal, em 254 cidades de 24 Estados, incluindo São Paulo e no interior paulista. Ou seja: a natureza é agredida na Amazônia, mas muitas vezes financiadores ou receptores de materiais extraídos irregularmente se articulam em várias regiões e longe da floresta.

    Além disso, quase metade das ações foi na repressão a delitos em reservas públicas ou terras indígenas, embora o desmate avance rapidamente por outras frentes nos últimos anos.

    A análise de mais de 300 operações da PF entre 2016 e 2021 demonstrou que, além de ter perfil organizado, a criminalidade ambiental na Amazônia está longe de ser um problema local. As ramificações do ecossistema do crime ambiental só não chegaram aos Estados de Alagoas, Pernambuco e Paraíba. As operações se desdobraram em 846 territórios espalhados na América do Sul.

    Os territórios mapeados nas operações da PF estão em 197 municípios da Amazônia Legal (75% do total), 57 municípios fora da Amazônia Legal (22%) e oito em cidades de países vizinhos (3%). Divulgado ontem, o estudo faz parte da série “Mapeando o Crime Ambiental na Amazônia”.

    As operações da PF foram motivadas pelo desmate descontrolado com alvo em diferentes economias ilícitas, como extração ilegal de madeira, mineração ilegal, sobretudo do ouro, grilagem de terras e atividades agropecuárias com passivo ambiental.

    A Amazônia bateu novo recorde de desmatamento no primeiro semestre, como revelam dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia. As atividades envolvem delitos ambientais e não ambientais, como crimes financeiros, tributários, corrupção, fraude e crimes violentos.

    “Já havíamos identificado que o crime ambiental não acontece sozinho. O que esse novo artigo mostra é que todo o Brasil é responsável pelo o que acontece na Amazônia”, avalia Melina Risso, diretora de Pesquisa do Instituto Igarapé. “O locus do crime ambiental é a Amazônia Legal, que acaba sofrendo os impactos sociais, econômicos e ambientais. Porém, os desdobramentos ultrapassam suas fronteiras. Atividades criminosas em diferentes Estados e países sul-americanos participam dessa cadeia de ilicitudes”, acrescenta a diretora.

    Especialistas apontam ainda novas ameaças, como a reconstrução da BR-319, que liga Manaus a Porto Velho, e permitirá o acesso mais fácil dos desmatadores. “É nossa grande preocupação”, disse o pesquisador Philip Martin Fearnside ao Estadão no último domingo.

    CONEXÕES

    O esquema de conexões deriva de quatro grandes economias ilícitas: grilagem de terras públicas, exploração ilegal de madeira, mineração ilegal e agropecuária com passivo de ilegalidades ambientais, como o desmatamento. Em todas, a “lavagem” ou “esquentamento” dos recursos naturais amazônicos é central. A aparência de legalidade garante que recursos e produtos de territórios protegidos na Amazônia Legal adentrem os mercados legais no País e no mundo.

    Assim, as fraudes se ramificam dos trabalhadores que executam o crime e transportam os produtos, até servidores públicos e técnicos que fraudam autorizações e inspeções, atingindo ainda aqueles que comercializam produtos da Amazônia a centenas ou milhares de quilômetros da floresta.

    O estudo identifica “territórios” como as localidades que abrigam um ou mais crimes ou ilegalidades ligados ao ecossistema da Amazônia. As 302 operações da PF se desdobraram em 846 territórios, porque 64% das investigações atingiram dois ou mais municípios, casos das operações Rios Voadores, deflagrada em 2016 no Pará, e Ouro Perdido, desencadeada em 2019 no Amapá.

    O Pará aparece com 83 operações, seguido de Rondônia (122), e o Amapá (101). Fora da Amazônia Legal, o Estado de São Paulo se destaca com 36 ações, seguido do Paraná com 14 e Goiás com 10. As operações tiveram ainda desdobramentos na Guiana Francesa e Venezuela (cinco cada), Suriname (quatro), Colômbia (duas), Paraguai e Bolívia (um cada).

    No total, 23 Estados e 166 municípios estão conectados a essa área. Ao menos 22% dos territórios estão em áreas protegidas na Amazônia Legal, como Terras Indígenas, Unidades de Conservação e Áreas de Preservação Permanente. Dos mais de 350 territórios ligados à mineração, 80% estão na Amazônia Legal.

    COMBATE

    Em nota, o Ministério do Meio Ambiente diz que o governo tem agido no combate aos crimes ambientais com ações coordenadas por diversos organismos. “Ademais, na Cúpula das Américas, Brasil e EUA anunciaram esforço bilateral (…) com o objetivo de alcançar resultados imediatos no combate aos crimes nacionais e internacionais de tráfico de animais silvestres, mineração ilegal e comércio ilegal de madeira, bem como bloquear o uso dos sistemas financeiro e comercial associados a produtos florestais “

    O Ministério da Justiça e a PF não comentaram os dados.

    *Com informações Estadão Conteúdo.

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