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A forma como utilizamos o solo influencia diretamente sua qualidade, que pode ser enriquecida ou degradada de acordo com as práticas adotadas. O solo leva centenas, até milhares de anos para se formar, o que torna sua preservação essencial.
Há 10 anos, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu a Década Internacional do Solo – de 2015 a 2024 -, enquanto a Sociedade Internacional de Ciência do Solo designou, em 2002, o dia 5 de dezembro como o Dia Mundial do Solo.
Essas iniciativas visam mobilizar a sociedade global para a importância dos solos agrícolas e urbanos, considerando que cerca de 33% das terras do planeta estão degradadas ou em processo de degradação devido a fatores como erosão, compactação e poluição química. Além disso, a interdependência entre solo e água e a perda crescente da qualidade de ambos os recursos impactam diretamente a segurança alimentar e hídrica, ameaçando a fome e o futuro do planeta.
A importância do solo e da água pode ser mais bem entendida quando constatamos os inúmeros serviços que esses recursos prestam à humanidade. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), 95% dos alimentos que consumimos vêm do solo e a importância dele como fornecedor de alimentos deverá crescer nos próximos anos, em razão do aumento das populações e a consequente demanda por alimentos e ração.
“Informações recentes dão conta que mais de 2 bilhões de pessoas no mundo são afetadas por fome oculta ou deficiência de micronutrientes. Assim, pode-se afirmar que o solo exerce papel fundamental na segurança alimentar”, avalia Oromar João Bertol, engenheiro agrônomo, doutor em Engenharia Florestal e diretor do Núcleo Estadual Paraná da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo (NEPAR-SBCS).
Por outro lado, ele observa que o solo tem a capacidade de armazenar a água das chuvas, alimentando plantas, nascentes e rios. “O solo desempenha um papel fundamental no ciclo da água na natureza, ao permitir a circulação da água em seu interior. Essa capacidade de armazenamento também ajuda a prevenir inundações. Além disso, o solo saudável atua como um filtro, removendo contaminantes da água”, diz Bertol, acrescentando que a segurança alimentar e a segurança hídrica estão estreitamente ligadas, pois um solo saudável é essencial para ambas.
Um relatório de recursos hídricos das Nações Unidas, lançado recentemente, informa que apenas 1% da água doce líquida do mundo está disponível na superfície para as populações. Até 2030, a demanda por água doce deve crescer 1% ao ano. “A ONU declarou que atualmente, a escassez de água afeta mais de 40% da população mundial, uma percentagem que alcançará os 2/3 da população em 2050”, reforça.
Pesquisas indicam que um quarto da biodiversidade do planeta está presente no solo, sendo essa biodiversidade essencial para a produção de alimentos e fibras. Dados mostram que apenas 10 gramas de solo podem conter até 360 mil espécies de seres vivos. “Dessa forma, os solos funcionam como um vasto reservatório de biodiversidade, abrangendo desde microrganismos até a flora e fauna”.
Também a biodiversidade do solo desempenha um papel importante na regulação de várias funções vitais, como a ciclagem de nutrientes, a redução das emissões de gases de efeito estufa e a melhoria da qualidade da água. “Portanto, a saúde do solo é fundamental não apenas para a segurança alimentar, mas também para a sustentabilidade ambiental”, afirma Bertol.
Outra importante função dos solos, destaca o diretor do NEPAR, é o armazenamento de carbono que tem ganhado cada vez mais destaque nos últimos anos devido à sua capacidade de reduzir gases de efeito estufa e, assim, mitigar os efeitos das mudanças climáticas. Segundo dados de pesquisa, o solo possui uma capacidade de retenção de carbono superior à quantidade presente na atmosfera e na vegetação terrestre, combinadas. Além do que, aumentar os estoques de carbono no solo contribui para a melhoria da produção agrícola, do abastecimento de água e da biodiversidade.
“Cabe, portanto, à humanidade garantir que o solo tenha as condições necessárias para exercer plenamente suas funções. Isso é especialmente importante para aqueles que utilizam o solo e a água em suas atividades e mantêm uma relação direta com esses recursos naturais. O aumento da degradação do solo e da água e a ausência de medidas para recuperar as áreas já degradadas prejudicam gravemente a produção de alimentos, elevando os custos, comprometendo a segurança alimentar e hídrica e empurrando milhões de pessoas para a fome e a pobreza”, complementa Oromar Bertol.
Ele ressalta que o Paraná é amplamente reconhecido por seus solos de grande potencial para a produção de alimentos e por contar com um regime de chuvas favorável, que sustenta mananciais de água e possibilita ao Estado abastecer sua população com comida e água, além de gerar energia. “Essa condição tem permitido ao Paraná gerar riqueza e abastecer seus habitantes ao longo do tempo”, afirma.
Contudo, o Paraná também enfrenta a degradação de seus solos, tal como ocorre em diversas partes do mundo. Devido à estreita relação entre solo e água, este último recurso também vem sendo impactado. “Muitos solos do Estado perderam, ao longo do tempo, parte de sua capacidade natural de armazenar água e de reter carbono, em razão da compactação e da erosão hídrica. Esse problema é mais grave em algumas regiões do Estado. No entanto, tanto os solos quanto os recursos hídricos degradados podem ser recuperados com técnicas já conhecidas”, afirma o diretor do NEPAR.
O professor Anderson Sandro da Rocha, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Câmpus Santa Helena, cita algumas técnicas sustentáveis para reverter a degradação e melhorar a saúde do solo, como terraceamento correto, plantio direto, conservação de estradas rurais, controle de erosão e recuperação de nascentes. “O terraceamento, por exemplo, controla a erosão e reduz a perda de solo superficial. O plantio direto com rotação de culturas e o uso de plantas de cobertura entre safras também têm sido incentivados, bem como as plantas de cobertura que aumentam a matéria orgânica, promovendo a fertilidade do solo e melhorando a produtividade agrícola”, explica Anderson.
Por outro lado, a degradação do solo, como perda de fertilidade, matéria orgânica e nutrientes, impacta negativamente na produtividade. “Solos degradados demandam quantidades crescentes de insumos, como adubos, elevando os custos de produção e podendo resultar em menor produtividade”.
A especialista em biotecnologia microbiana e saúde do solo, professora Glacy Jaqueline da Silva, da Universidade Paranaense (Unipar), lembra que uma das principais práticas para recuperação do solo degradado é o uso de adubação orgânica, como esterco, cama de frango, composto e restos de culturas, que adicionam nutrientes e matéria orgânica diretamente no solo. “Esses materiais orgânicos se decompõem lentamente, alimentando os microrganismos e liberando nutrientes de forma gradual para as plantas”, enfatiza.
Ela acrescenta que o solo é o ecossistema mais biodiverso do planeta. “Quanto maior a biodiversidade do solo, maior será a variedade de espécies com habilidades semelhantes presentes”, explica. Essa diversidade torna-se essencial em eventos extremos, como ondas de calor, pois, embora muitas espécies possam não resistir a essas altas temperaturas, outras sobrevivem e continuam desempenhando funções vitais, alimentando e protegendo as plantas. “Em solos pobres, com poucos microrganismos, os impactos desses eventos são mais graves, por isso, se várias espécies morrem, restam poucas para manter as funções básicas”, pontua Glacy, acrescentando que, assim, a diversidade minimiza os impactos das mudanças climáticas, “ajudando tanto as plantas quanto a nós”.
A integração de sistemas agroflorestais é outra técnica que melhora a saúde do solo ao combinar árvores, arbustos e plantas agrícolas no mesmo espaço. Com um bom planejamento, esse sistema protege o solo da erosão, aumenta a matéria orgânica, retém água, fortalece a biodiversidade e torna a produção agrícola mais sustentável. As raízes das árvores criam uma rede subterrânea que facilita a absorção de água e nutrientes pelas plantas ao redor,” analisa.
Para o diretor do NEPAR é oportuno e necessário conscientizar a população paranaense sobre o real valor do solo e da água, e sobre a dependência das pessoas e da economia estadual em relação a esses recursos. Isso ajuda a aumentar a consciência coletiva sobre as ações que precisamos adotar para recuperar o que precisa ser recuperado e para assegurar o uso sustentável desses recursos, garantindo vida e prosperidade às futuras gerações”, esclarece
“É importante lembrar que o solo e a água não devem ser considerados recursos renováveis, especialmente quando mal utilizados. A água, apesar de ser constantemente renovada pelo ciclo hidrológico, é distribuída de forma desigual, e sua escassez pode ocorrer tanto pela falta de disponibilidade quanto pela perda de qualidade”, resume Bertol.
Distribuição do uso do solo no Paraná
Para compreender melhor as funções do solo, é essencial entender como seu uso está distribuído e como ele interage com diversos fatores ambientais, como o clima, a geologia, o relevo, a vegetação, a água, o tempo e o uso e cobertura da terra. “É importante lembrar que o solo pode levar centenas ou milhares de anos para se formar. Ele é um elemento que pode se exaurir com o passar dos anos, quando malcuidado”, afirma o professor Anderson Sandro da Rocha.
No Paraná, a distribuição do uso do solo mostra que a floresta ocupa um pouco mais de 5 milhões de hectares, representando 26% do estado. O uso predominante é a agropecuária, com cerca de 13 milhões de hectares, representando quase 69% do estado. As áreas não vegetadas, como áreas urbanas, representam cerca de 1,6%. Os corpos d’água incluem rios, mananciais e lagos artificiais, como o Lago de Itaipu, além de áreas de piscicultura, que somam aproximadamente 396 mil hectares.
O maior desafio, hoje, na opinião do professor Anderson, é entender que cada tipo de solo possui características e fragilidades únicas. No Paraná, por exemplo, são 9 tipos diferentes de solos: Argissolos, Cambissolos, Chernossolos, Espodossolos, Gleissolos, Latossolos, Neossolos, Nitossolos, Organossolos. Os solos que mais se destacam são os Latossolo (31%), Neossolo (19%), Nitossolos (16%), Argissolos (14%), Cambissolo (13%).
Os solos do tipo Latossolo e Nitossolo, que são profundos e argilosos, têm um grande potencial para a agricultura. “Podemos melhorar ainda mais a qualidade física e química desses solos para otimizar o desenvolvimento agrícola. Por outro lado, solos mais rasos, como Cambissolos e Neossolos, são mais frágeis e devem ser evitados para uso urbano e agrícola. Esses solos são mais adequados para pastagens ou usos menos agressivos”, complementa Anderson.
“Algumas classes de solo, como Gleissolos e Organossolos, têm um alto potencial de inundação e degradação, sendo muito frágeis. É melhor deixar esses solos como áreas de preservação”, pondera.
No norte do Paraná, por exemplo, predominam os latossolos, que são profundos. Alguns Latossolos têm muita argila, conhecidos como Latossolos Vermelhos, enquanto outros têm mais areia, conhecidos como Latossolos Amarelos. “Nas áreas com mais areia, cultiva-se cana-de-açúcar, enquanto nas áreas com mais argila, cultiva-se soja e milho”, destaca.
No noroeste do Paraná, temos solos com até 80% de areia, no entanto, é possível produzir nesses solos com técnicas corretas, como terraceamento, plantio direto, rotação de culturas e controle de erosão. “A integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF) também funciona bem para solos arenosos”, afirma.
Projeto inspira crianças e adultos a valorizar o solo
Um projeto está inspirando crianças e adultos a valorizar e preservar o solo. O projeto Solo na Escola/ UENP, coordenado pela professora Jully Gabriela Retzlaf, da Universidade Estadual do Norte do Paraná – UENP, Campus Cornélio Procópio, promove a Educação em Solos, assegurando que crianças e adultos tenham uma visão ampliada sobre o solo e reconheça a importância desse elemento ambiental para a sustentabilidade e a vida no planeta.
Vinculado ao curso de Licenciatura em Geografia da UENP, desde 2019, o projeto busca ampliar a compreensão sobre o solo como um recurso ambiental essencial. Com o público-alvo formado por professores, estudantes de Educação Básica e Superior e a comunidade em geral, a equipe é composta por docentes da UENP e monitores voluntários do curso de Geografia.
“O projeto de extensão abrange várias atividades. Uma delas é visitar escolas para apresentar o solo às crianças, levando materiais didáticos, experimentos e maquetes para que possam manusear e explorar”, diz Jully.
Outra ação do projeto é a exposição didática de Solos no campus de Cornélio Procópio. Esse espaço interativo de ciência está aberto para receber o público visitante, incluindo amostras de solo, experimentos, rochas, minerais, fósseis e uma vermicomposteira. “Assim, além das visitas às escolas, o projeto conta com um espaço fixo de educação em solos, onde recebemos escolas e a comunidade em geral, mediante agendamento. Recebemos visitantes de cidades da região, como Bandeirantes, São Sebastião da Amoreira e Congonhas”, informa.
De acordo com Jully, embora o solo seja essencial para a produção de alimentos e regulação de diversos processos naturais, ele muitas vezes é esquecido em campanhas de conscientização ambiental.
A abordagem do projeto é levar conhecimento sobre o solo para dentro das salas de aula e espaços de aprendizado, tanto formais quanto informais, como escolas, praças e museus. “Ao compreender a importância do solo, as crianças passam a ver esse elemento não como sujeira, mas como um componente ambiental fundamental”, diz.
O projeto também faz a edição e publicação de livros teóricos e infantis relacionados ao solo e à Educação em Solos.
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