O Brasil diante do desafio de reduzir os custos dos alimentos

O governo Lula enfrenta desafios na inflação dos alimentos, com impacto na renda dos mais pobres e nas estratégias de recuperação econômica, enquanto busca soluções para fortalecer a produção interna.

  • Por Zeca Dirceu

    Tempo estimado de leitura: 5 minutos

    Em menos de dois anos, o governo Lula conseguiu reverter tendências desastrosas da economia brasileira, apesar das dificuldades no Congresso Nacional e da oposição de setores do mercado, incluindo o Banco Central. Entre os indicadores socioeconômicos positivos, destaca-se a estabilidade do processo inflacionário, essencial para a estabilidade social e econômica e para as estratégias de reconstrução do país. No entanto, um alerta surge no cenário: a inflação dos alimentos é preocupante.

    Em outubro, a inflação geral acumulada em 12 meses superou ligeiramente a meta, mas sem refletir desajustes substanciais ou riscos macroeconômicos. Contudo, a inflação dos alimentos persiste como um problema, especialmente para os mais pobres, afetando diretamente sua renda. Essa volatilidade impacta o bom humor dos consumidores e desgasta o governo, que enfrenta uma crescente pressão.

    De janeiro de 2020 a outubro de 2024, o IPCA geral subiu 32,3%, enquanto a inflação da alimentação no domicílio foi de 52,6%, com produtos essenciais, como o arroz, sofrendo uma inflação de 114%. Com alimentos básicos com preços elevados, a população de baixa renda recorre a produtos ultraprocessados, cujos preços também aumentaram, como o miojo, cuja inflação foi de 62,2%.

    Em termos de inflação alimentar, o Brasil supera 130 países entre 171 pesquisados, de acordo com dados da Trading Economics. Como isso é possível, sendo o segundo maior produtor de alimentos do mundo? A explicação não é simples: o ciclo exportador do agronegócio, iniciado na década de 1990, transferiu grandes áreas de cultivo de alimentos básicos, como arroz e feijão, para a produção de commodities destinadas à exportação.

    Entre 2023 e 2032, as projeções indicam que as áreas de arroz e feijão sofrerão uma redução de 1 milhão de hectares cada. O mercado interno não consegue competir com o mercado externo devido à combinação de câmbio, preços internacionais e os incentivos da Lei Kandir aos exportadores.

    Além disso, a crise climática intensifica os sinistros de produção, agravando a escassez e a volatilidade dos preços. A qualidade da concepção e gestão das políticas públicas, somada a práticas especulativas, também contribui para essa pressão sobre os preços. Assim, o Brasil enfrenta problemas circunstanciais e estruturais que impactam a oferta e, consequentemente, os preços dos alimentos, representando uma ameaça às estratégias de fortalecimento da renda da população.

    Diante desse quadro, o governo Lula tem adotado medidas para revigorar a produção de alimentos essenciais por meio da agricultura familiar, com incentivos em juros, preços, prazos e políticas de estoques. No entanto, para resolver de forma duradoura o problema da segurança alimentar, é necessário avançar em algumas áreas:

    1. Garantir a competitividade entre produtos para exportação e o mercado interno.
    2. Ampliar o acesso das famílias agricultoras às políticas públicas, especialmente nas regiões mais carentes.
    3. Descentralizar a produção de alimentos, permitindo diversidade nos calendários agrícolas.
    4. Superar o impasse ideológico sobre a manutenção de estoques públicos.
      O governo deve tomar cuidado com as orientações de especialistas neoliberais que defendem a desregulamentação do setor.

    Considerando os impactos das mudanças climáticas sobre a produção, seria pertinente reconstituir a Lei Delegada nº 4, revogada pela Lei da Liberdade Econômica, que garantiu a intervenção no domínio econômico para assegurar a distribuição de produtos essenciais.

    Além das medidas estruturantes em curso, é urgente enfrentar as forças do mercado que manipulam os preços dos alimentos. Reduzir o custo dos alimentos, além de conter a alta dos combustíveis e da energia elétrica, deve ser uma prioridade. O governo já dispõe de ferramentas estratégicas, como ministérios e bancos públicos, que deveriam ser mais acionadas para reduzir os preços de alimentos básicos, como arroz, feijão, frutas e verduras.

    Para garantir a segurança alimentar, o Brasil, como segundo maior produtor de alimentos do mundo, precisa fortalecer sua base produtora de alimentos destinados ao mercado interno, garantindo o sustento da população e apoiando a transformação do país.

    Comentários estão fechados.