Mude sua vida aos poucos: O caminho científico para tornar-se a pessoa que você queria ser

Mudar é difícil, mas, como tudo na vida, se torna mais fácil se você entende as mecânicas por trás de tal dificuldade existir. 

  • Por Vitor Germano

    Para a maior parte de nós, há uma separação entre a pessoa que nós somos, e a pessoa que queríamos ser. Das pequenas coisas que queremos fazer, às grandes coisas que buscamos conquistar. Malhar regularmente, repensar sua alimentação, aprender uma nova habilidade, ler mais, ou tão simplesmente engajar com seu hobby (o que quer que ele seja) ao invés de passar horas arrastando pra baixo na rede social.

    Mas para atingir seus objetivos, às vezes parece que você precisa se transformar em outra pessoa. Uma pessoa mais consistente, que tem mais disciplina e força de vontade. E talvez, você tenha tentado ser essa pessoa, e talvez tenha até funcionado! … Por um tempo, e aí você acaba recaindo nos seus velhos hábitos. No fim das contas, você sempre parece fracassar, e com cada fracasso, você fica mais frustrado e irritado consigo mesmo.

    Se você acredita nos gurus do “sucesso e ralação”, os coaches do mundo, isso é tudo culpa sua: Se você não obteve sucesso, é porque você não queria o suficiente, e a falha veio de você.

    Mas mudar é difícil, e como tudo na vida, se torna mais fácil se você entende as mecânicas por trás de tal dificuldade existir.

    A selva da mente

    Imagine sua mente como uma densa e vasta selva — Mover-se pela selva da mente, digamos, para tomar uma decisão, como mover-se por uma selva de verdade, dá trabalho, requer energia.

    Seu cérebro não gosta de gastar energia, então ele tem meios de facilitar a própria vida: Suas ações e comportamentos cortam caminhos, estradas pela selva da mente. Quando você começa a fazer algo novo você pisoteia a vegetação e faz trilhas improvisadas. Quanto mais você faz essa coisa, mais plantas são removidas, e mais limpa essa trilha se torna. Com o tempo, vira uma picada, fácil de trafegar, então você começa a tomá-la com mais frequência, até ela virar uma viela. Com mais e mais passagens, a viela se expande, vira uma rua, depois uma estrada, depois uma rodovia. Trafegar por este caminho se torna familiar, confortável, não requer esforço.

    Quanto mais desenvolvidas estão as rodovias da sua mente, mais acostumado ao conforto delas você fica. Por isso mudar é difícil, especialmente para adultos. Quando sua selva está cheia de estradas e rodovias fáceis de acessar.

    Para compreender a construção dessas rodovias, precisamos distinguir duas coisas: Rotinas e hábitos.

    As coisas que você faz: As rotinas e hábitos.

    Hábitos e rotinas são sequências de ações. O hábito é uma sequência de ações que você faz do mesmo jeito toda vez, porque elas funcionaram bem para você no passado. Por exemplo, você faz seu prato favorito com os mesmos ingredientes e os mesmos passos de preparo, e o sabor do resultado é familiar e agradável.

    Imagine a rotina como o gestor da sua mente — Calculista e estratégico, a rotina considera o futuro e cuidadosamente planeja quais ações são necessárias para chegar nesse futuro, mesmo essas ações sendo desagradáveis, tal como acordar cedo em um dia frio e gostoso de dormir.

    A rotina pode eventualmente se transformar em hábito, o que a torna muito mais fácil porque a sequência de ações começa a ser executada sem pensar. Você realizou essas ações tantas vezes, que seu cérebro passa a considerá-las recompensadoras e uma resposta natural à uma certa situação. Um hábito formado é como estar em piloto automático, você não precisa se convencer a fazer um hábito, você só — Faz.

    A coisa importante sobre os hábitos é que eles são iniciados por gatilhos, itens contextuais que podem ser uma coisa simples ou toda uma situação complexa, que te dá o sinal mental para iniciar a sequência de ações.

    Você já tem centenas de gatilhos na sua vida. Quando você pega seu celular, você destrava a tela sem pensar. Ao entrar em um carro, você puxa o cinto de segurança. E toda manhã você não só toma café, mas come umas bolachas doces, apesar de não estar realmente acordado o suficiente para ter fome.

    Se as rotinas são as ações de um ‘gestor’ mental, com um plano complexo, os hábitos são executados por uma criança impulsiva, que responde aos desejos e necessidades imediatas, com base no que a cerca e sem considerar objetivos a longo prazo. Para a criança o futuro não existe, e ela odeia trabalhar duro. Então quando ela vê um gatilho, ela dirige seu cérebro a pegar a estrada conhecida dentro do seu cérebro, porque ela leva a um resultado familiar e recompensador. Se você está tomando café, a criança também quer a bolacha, porque é assim que foi todos os dias.

    Esse sentimento de recompensa é também como a maioria dos hábitos ruins se forma: Chocolate é gostoso, navegar a rede social ocasionalmente rende alguns sorrisos. Por isso você repete estes comportamentos, apesar de saber que eles são ruins para você. O sentimento de recompensa associado à ação exige a repetição, e assim, um hábito se forma.

    Enquanto a criança interna pode parecer um mecanismo embutido de auto-sabotagem, ela é tão importante quanto o gestor, e a forma saudável de viver é com ambos trabalhando juntos. Você precisa do seu gestor para pensar pensamentos grandes, e para fazer baliza na rua, e para gerenciar suas finanças. Mas ele tem um custo de energia elevado no seu sistema nervoso, e se ele tivesse de fazer tudo, você cairia em exaustão, o chamado ‘burnout’.

    Portanto, as tarefas mundanas e repetitivas são terceirizadas como hábitos, e mantidas pela criança, permitindo que seu cérebro cuide do seu cotidiano enquanto economiza energia para os desafios complexos.

    Educando a criança: Formação de hábitos, e como mudar efetivamente.

    Em resumo, se você quer mudar, e introduzir novos comportamentos à sua vida, é sábio usar destes caminhos econômicos mentais para facilitar o processo. O primeiro passo é focar-se nas pequenas coisas, não nas grandes.

    Melhorar sua vida de pouco em pouco é muito mais produtivo do que sonhar alto sem jamais mudar de verdade. Especialmente porque essas pequenas mudanças vão se somando umas às outras com o passar do tempo.

    Se você quer facilitar a mudança, a melhor forma não é forçar a acontecer usando sua força de vontade, mas convencer seu cérebro de que não é tão difícil assim. Você deve usar seu gestor para desbravar uma pequena trilha mental, e então treinar sua criança para seguir por esta trilha até ela, também, virar rodovia.

    Digamos, por exemplo, que você quer começar a se exercitar pelo bem do seu corpo, um objetivo comum. A primeira coisa a se fazer é pegar este objetivo que na verdade é extremamente vago, e quebrá-lo em ações pequenas, claras, e distintas. A ideia é fazer da ação em si tão fácil quanto possível, para que ela possa ser feita sem pensar muito.

    Por exemplo, uma ação concreta e controlável seria “fazer dez agachamentos”. Com isso em mente você pode criar uma rotina, e nela você já deve incluir gatilhos mentais que a criança possa usar no futuro. Lembre-se: Um gatilho nada mais é que um sinal que você associa a uma ação. Podem ser sinais visuais como olhar para sua roupa de malhar, ou um certo horário do dia, ou um local designado como ‘a ATI da praça aqui perto’. Idealmente — Todos esses juntos. O importante é que se você sempre fizer sua nova ação dentro de um contexto específico, esse gatilho vai se tornar a tecla start que pode desencadear toda uma série de ações automáticas.

    Então para criar uma rotina de exercícios que vira um hábito de exercícios, comece com algo simples, mas assegure-se de sempre fazê-la usando sua ‘roupa de treino’, e sempre na mesma hora e local, mesmo que essa hora e local sejam ‘no corredor do seu apartamento às 11 da manhã’. E repita isso com regularidade. Idealmente todos os dias.

    Continue fazendo isso, e a rotina eventualmente irá virar hábito, sua trilha vira rodovia. Os agachamentos em si ainda vão gastar energia para fazer, mas a decisão de fazê-los será automática, parte do seu dia, ao invés de ser uma parte extra do trabalho.

    Enquanto isso é simples, não é fácil: Muitas coisas que queremos tornar em hábitos não oferecem a gratificação instantânea de perder tempo na rede social. Para tornar sua nova ação ainda mais fácil, e aumentar as chances de sua criança interna seguir a trilha, tente fazer dela algo agradável para você mesmo. Como sempre exercitar-se enquanto ouve sua música ou podcast favorito, ou atualizar sua planilha de gastos entre um vídeo e outro no youtube. Isso é tudo altamente individual, então você terá de descobrir o que funciona para você.

    A princípio, é só isso. Frustrante em sua simplicidade. Quanto tempo leva para sua criança interna estabelecer um hábito varia, depende do que é o comportamento em si, do tipo de pessoa que você é, do seu nível de estresse, e várias outras coisas. Em geral leva algo entre 15 e 250 dias até um novo hábito se tornar automatizado por seu gatilho. Você não vai saber quanto tempo vai levar.

    Começar é a parte fácil, especialmente nas primeiras duas semanas. Continuar a fazer é a parte difícil, mas vai ficar mais fácil conforme você insistir. Pode não haver uma fórmula mágica para mudar, mas a Ciência dos Hábitos nos lembra de que é possível, independente do quão jovem ou velho você é.

    Mesmo que você acabe fazendo só algumas coisas novas ou melhores, um pouco de sucesso ainda é sucesso, ser um pouquinho mais saudável ou ter um pouquinho mais de conhecimento é um milhão de vezes melhor do que estar infeliz com tudo que você não está conquistando, sem jamais fazer nada sobre. No final, mudança é uma direção, não um destino.

    Imagem: Freepik / Foto criada por @jcomp

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