Por Fernando Rodrigues de Almeida
Quem me acompanha nesta coluna deve saber que sou um defensor da preguiça, quase um predicador. Já escrevi sobre isso aqui no texto “Quem dera fosse preguiça”. Tenho um afeto muito grande a contemplação por vontade, creio que isso é justamente o que nos falta.
Minha coluna sai, em geral, as segundas-feiras, o que implica que muitas vezes me pego revendo os textos a serem publicados no domingo de noite, período que é consagrado como o templo da culpabilidade da preguiça, uma vez que, ao mesmo tempo, que o domingo cedo seja, por convenção o momento da preguiça socialmente aceitável, o domingo de noite é o tempo da culpa.
Esse sentimento é totalmente atrelado a nossa incapacidade de lidar com a inação, com a contemplação, com a acídia. Com o aprendizado de vivermos para fora e não para dentro. Quase como se o barulho do mundo seja o lugar que merecemos e o silêncio interno seja indigno e insuportável.
É só pensar que no período noturno do domingo o silêncio é sempre interrompido pela expectativa das conversas da segunda.
Não há voz estável, as relações interpessoais da segunda-feira serão sempre rodeadas por vozes inesperadas, esperamos a gritaria do dia-a-dia, entretanto não somos capazes de descobrir que a voz em nossa cabeça não se altera, está sempre no mesmo tom e no mesmo volume, seja qual for o assunto, sempre estará soalheira.
A beleza do domingo de noite deveria ser um respiro a condição inescrupulosa da reprodução de sobrevivência do cotidiano. Então é sempre aquela pergunta, da zombaria do dia-a-dia temos ânsia, da calmaria do nosso próprio pensamento não podemos suportar por culpa.
Isso é um modelo, como diria Walter Benjamin, sem trégua e sem piedade, um modelo religioso em que o maior pecado é o não-fazer.
Sendo assim, de minha parte sempre se verá a defesa pelo preguiçoso, pelo vagabundo, pelo inativo, afinal, quero ter a sabedoria de sê-lo, sem precisar me forçar a isso. Mas me deparei com uma narrativa, que é sobre o fato da nova geração ser preguiçosa, e nisso eu, novamente tenho que discordar.
Como disse antes, a preguiça é uma condição quase messiânica, não é a toa que os profetas e sábios abusavam da inação, do não-fazer. Desde o Nirvana de Sidarta Gautama, aos 40 dias de resguardo de Jesus, sendo atrapalhado do seu não-fazer e resistindo a isso – Teríamos coragem de chamar esses grandes sujeitos de vagabundos preguiçosos?
Veja-se que para alcançar a inação, ainda que no passado, era preciso ter a mente muito “alta”, imagine só hoje, no tempo da angustia, ansiedade e de um capitalismo mais presente no consciente e no inconsciente do que nunca se viu na história.
Como se pode ter coragem de chamar a juventude de preguiçosa? Também me chamavam disso quando eu estava jovem e eu, naquela época, já sabia que eu não era, eu era atormentado pela adolescência, mas preguiçoso… quem dera que fosse capaz de ser.
La Nuova Gioventú, por sua vez, se não é preguiçosa é o que? Bem, eu vejo como desinteressada. Me parece que eu desdenho deles dessa forma, mas não, saio em sua defesa, afinal, o desinteresse deles deve ser lido gramaticalmente, o desinteresse inativo do novo jovem é uma razão maiêutica do que os antigos jovens – no caso eu e você que lê isso – são.
Os novos jovem foram paridos na dialética do cansaço, em um trauma místico daqueles que os precedem. O que resta pra eles é fugir, angustiosamente, de qualquer coisa que os façam cansar.
Vi um dado interessante recentemente – interessante é uma atenuante, principalmente para mim que vivo disso – no que diz respeito a educação superior: parece que os novos jovens vem recusando o ensino superior público, se for pra fazer faculdade, eles escolhem pagar – ainda que barato – em instituições que ofereçam o ensino EaD.
Ora, mas qual é a lógica, ainda que as faculdades EaD tenham preços muito baixos em relações a faculdade presenciais, não seria mais lucrativo fazer uma pública? Se você se questionou isso, você realmente não é da nova geração. Claro que não, na pública é de graça, mas você tem aula de segunda a sexta-feira, tem que estudar a sério, tem que ler, tem que conviver em comunidade.
Na educação EaD não tem nada disso – e nem estudo, com todo o respeito, mas não precisamos mascarar a realidade aqui – você tem que cumprir o novo básico – que está bem abaixo do antigo básico – e terá um diploma, sem aulas, sem colegas, sem trabalho, sem cansaço. A faculdade é um obstáculo que te cansa e tudo que cansa tem que ser evitado.
Mas isso não é preguiça?! Claro que não, isso é angustiante. E se há angustia, não há preguiça. Isso é mais traumático que voluntário. É uma condição de medo, é um trabalho árduo de evitar os monstros que seremos sempre obrigados a conviver.
Então, não me venham chamar a nova geração de preguiçosa ou vagabundos, eles ainda não são os messias de nosso tempo, eles são tão infelizes quanto nós no que diz respeito ao nosso lugar no mundo.
Imagem: Freepik / Foto criada por @wayhomestudio
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