Tempo estimado de leitura: 6 minutos
Logo no primeiro semestre de 2025, o Congresso norte-americano decidiu que já era hora de abandonar a regulação por “enforcement”. A Câmara aprovou, por maioria bipartidária, dois projetos aguardados havia anos, o CLARITY Act, que delimita as esferas de competência da SEC e da CFTC sobre ativos digitais, e o GENIUS Act, que cria um estatuto próprio para stablecoins.
A votação foi aplaudida por gestoras como Hashdex, que já administra R$ 7,5 bilhões em fundos cripto no país. A repercussão foi imediata. Em poucos dias, a capitalização total do mercado saltou para 4 trilhões de dólares.
A ofensiva legislativa ganhou vitrine em todo o mundo no evento batizado de “Crypto Week”, quando líderes republicanos reservaram uma semana da pauta para debater três propostas. O mercado de criptoativos, stablecoins e um projeto que veda um dólar digital emitido pelo Federal Reserve.
Analistas viram o gesto como sinal claro de que Washington quer transformar os EUA num polo competitivo de blockchain, capaz de rivalizar com Singapura e Abu Dhabi. A nova postura logo chegou aos bolsos dos investidores.
Desde meados de julho, o Bitcoin rompeu a barreira dos 120 mil dólares e o Ethereum acumulou 50% em trinta dias, turbinando o volume de ETFs negociados em Wall Street. Além disso, a Comissão de Valores Mobiliários norte-americana (SEC) autorizou criações e resgates “in-kind” nos ETFs de Bitcoin e Ether, permitindo que gestores entreguem as próprias moedas em vez de dólares.
A mudança reduz custos e aproxima os fundos cripto do padrão usado nos ETFs de ouro, fator apontado por gestores como “game changer” para a entrada de fundos de pensão. E o que afeta os grandes, acaba escorrendo para as novidades. As novas criptomoedas que chegam ao mercado via ICOs ou listagens diretas se beneficiam dessa alta.
Porém, não foi apenas preço. Relatórios de corretoras indicam que, após a aprovação do pacote regulatório, o fluxo líquido para produtos institucionais de cripto aumentou. Na América Latina, o reflexo foi quase instantâneo. Negociações em exchanges locais cresceram 54% em julho.
O CLARITY Act representa mais do que regras. Ele introduz o conceito de “restricted digital assets”, definindo etapas de descentralização e liberando tokens que atinjam determinados critérios para circulação plena no mercado secundário. Já o GENIUS Act cria parâmetros prudenciais para emissores de stablecoins, exigindo auditoria mensal e reservas 1:1 em títulos do Tesouro.
As duas leis caminham juntas. Enquanto o CLARITY estabelece quem fiscaliza, o GENIUS dita como se emite dinheiro digital. E a mensagem política ganhou contornos ainda mais fortes com a ordem executiva que instituiu uma Reserva Estratégica de Bitcoin nos EUA, abastecida com criptomoedas apreendidas pelo Tesouro.
A medida, defendida por senadores do Partido Republicano, amplia a posição soberana dos EUA, hoje estimada em 200.000 BTC, e reforça o discurso de que o país pretende ser capital mundial da criptoeconomia. Além disso, parte do capital internacional que antes mirava as bolsas asiáticas começa a enxergar a América Latina como região-ponte para acessar liquidez na rede global.
Fundos de venture capital registraram aportes de 816,8 milhões de dólares em startups brasileiras de blockchain no segundo trimestre de 2024, o maior montante desde 2022, segundo compilação da KPMG Brasil. O pano de fundo é simples. Com Washington abrindo as comportas, a próxima leva de inovações, de redes de segunda camada a tokens de IA, terá rota preferencial para os Estados Unidos.
A onda regulatória que parte de Washington atravessa o hemisfério e desembarca, quase em tempo real, nos aplicativos de investimento do brasileiro. Uma pesquisa da Binance Research com dez mil usuários da Argentina, Brasil, Colômbia e México mostrou que 95% pretendem aumentar a exposição a cripto até o fim de 2025, recorde histórico para a região.
Esse apetite se traduz em números robustos. Só em junho, Bitcoin e Tether (USDT) movimentaram R$ 14,7 bilhões nas mesas nacionais, segundo o Biscoint Monitor, alta de 32% sobre maio, puxada pelo uso de stablecoins como proteção cambial. Diante desse salto de volume, cresce também o interesse por altcoins recém-lançadas.
Relatório da Coinext apontou movimento rotacional em direção às chamadas layer-2 e aos tokens focados em inteligência artificial, fenômeno que já reduziu a dominância do Bitcoin para 63,8% do mercado local. Já as regras domésticas correm para acompanhar a onda regulatória mundial.
O Banco Central do Brasil, responsável por licenciar prestadores de serviços de ativos virtuais, abriu em julho a Consulta Pública 122/2025, cujo texto propõe critérios contábeis específicos para custódia de tokens e obriga exchanges a segregar patrimônio dos clientes.
A autarquia trabalha com meta de publicar a regulação completa até dezembro, passo que deve destravar passaportes operacionais para corretoras estrangeiras. Na CVM, o debate avança em paralelo. Depois de liberar fundos a investirem 100% em cripto via Resolução 175, o regulador submeteu à audiência pública ajustes de norma para ofertas públicas.
E, segundo especialistas, deve soltar ainda em 2025 um sandbox específico para fundos tokenizados, facilitando a emissão de cotas na blockchain e reduzindo custos de distribuição. A maré de recursos encontrou, porém, um obstáculo tributário.
A Medida Provisória 1.303/25, publicada em 11 de julho, acaba com a isenção de IR para vendas mensais de cripto até R$ 35 mil e cria uma alíquota fixa de 17,5% sobre ganhos de capital, mudança que ainda depende do Congresso, mas já mexe nas estratégias de arbitragem e custódia offshore.
Comentários estão fechados.