A última geração de carne: um conto distópico sobre o futuro

Na era dos bebês reborn, onde a perfeição é programada, a verdadeira experiência humana se torna um ato de resistência.

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    Por Edson Calixto Junior

    Maringá, ano 2053. Vivemos numa cidade altamente desenvolvida, limpa, digitalizada e absolutamente livre de choros infantis. As indústrias proliferam pela cidade, que já não vive apenas de comércio, turismo e educação. O Parque do Ingá, que antes, fora um paraíso de crianças, observando a fauna e a flora local, agora está deserto. Na verdade, não é que faltam crianças, mas a nova geração de bebês agora vem com manual de instruções, botão de volume e garantia de fábrica. Seus nomes? Neonatos Reborn.

    Feitos de látex de alta performance e equipados com inteligência emocional artificial, esses novos bebês não sujam fraldas, não exigem leite morno às três da manhã, e — talvez o mais importante — não envelhecem. Sempre adoráveis, sempre obedientes, e nunca, jamais, questionadores.

    A moda começou de forma inocente, claro. No primeiro quarto de século, um bebê reborn aqui, outro ali, comprados por colecionadores ou pessoas em luto. Mas logo virou tendência. Afinal, por que lidar com as inconveniências de uma criança real, cheia de necessidades, personalidade e, eventualmente, opiniões políticas, quando se podia ter um bebê com bluetooth?

    Logo, as áreas infantis e parques da cidade se tornaram museus. O Parque do Japão se tornou uma extensão da ACEMA. Escolas primárias viraram centros de treinamento para babás de silicone. E os últimos professores do ensino fundamental foram demitidos por insensibilidade emocional. Afinal, eram um último e solitário eco de resistência, pois diziam um sonoro “não” às máquinas.

    E foi nesse contexto que Eva, uma mulher de meia idade, moradora da Zona 05, acabou se tornando mãe de um bebê de verdade. De carne, osso e cólicas. Quando Eva contou aos colegas de trabalho que estava grávida de um filho biológico, eles olharam para ela como se tivesse anunciado que criaria um lobo no apartamento.

    — Você sabe o que isso faz com o seu algoritmo de produtividade? — disseram.

    — E as alergias? E o cheiro? Você vai mesmo sujeitar um ser humano a… realidade?

    Eva deu de ombros. Pôs o nome de Francisco e o criou assim mesmo, na contramão da sociedade. Quando Francisco começou a andar, tropeçar e fazer perguntas inconvenientes, como “por que o céu é azul se o mundo é tão cinza?”, ela sorria com orgulho.

    Enquanto isso, suas colegas cuidavam de seus rebornzinhos, que agora vinham com função de upload de memórias simuladas: choros virtuais, risadas programadas, aniversários editáveis. Alguns casais chegaram a se divorciar por discordarem sobre qual versão de firmware o bebê deveria rodar.

    Foi então que um dia, as fábricas de reborns anunciaram: “Nova atualização! Agora com opção de adolescência removível. Por “apenas” R$ 3 mil, o seu bebê nunca passará pela fase do ‘eu me odeio e odeio você’.”

    As filas deram a volta no mundo. Os protestos vinham apenas de grupos radicais — chamados “Humanistas de Primeira Onda” — que insistiam que o som de um bebê chorando à noite era um sinal de vida, e não uma falha de design.

    No fim, Eva viveu para ver seu filho, um humano completo, tornar-se adulto. Começou seu curso de Comunicação e até participou de movimentos sociais em defesa da “verdadeira humanidade”. Francisco a questionou, a contradisse, e até a fez chorar. Mas num mundo feito de látex, silicone e respostas prontas, ele era a única coisa verdadeira que ela tinha. E ele foi também o único que compareceu ao seu funeral sem precisar ser ligado na tomada.

    EDSON CALIXTO JUNIOR é escritor, teólogo e jornalista. Trabalhou na Rádio CBN, Diário do Rio Doce e Rede Novo Tempo de Comunicação. Foi assessor de imprensa na Assembleia Legislativa do Paraná (2003 – 2010). Bacharel em Administração de Empresas pela FGV, com MBA em Gestão, atualmente é servidor público federal.

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