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Por Luciana Gomes Cunha Centini, diretora do Ensino Fundamental I do Colégio Visconde de Porto Seguro, em São Paulo
Em um mundo cada vez mais digital, no qual crianças se familiarizam desde cedo com telas e teclados, a pergunta que muitos educadores e pais se fazem é: ainda faz sentido ensinar a escrita cursiva? Afinal, com a evolução das tecnologias, seria a caligrafia uma habilidade obsoleta? A resposta, felizmente, é um enfático não.
A prática da escrita à mão, especialmente em letra cursiva, continua sendo uma ferramenta poderosa para o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças e deve ser vista como parte importante do processo de alfabetização.
Na trajetória educacional, a escrita à mão desempenha um papel que vai muito além de formar letras e palavras. Ela está intimamente conectada ao desenvolvimento de habilidades motoras finas, à construção da memória e à organização do pensamento.
Estudos recentes mostram que o ato de escrever à mão ativa regiões do cérebro associadas ao raciocínio, à linguagem e ao processamento de informações de forma mais profunda do que a digitação. Ou seja, ao segurar um lápis e desenhar letras, as crianças estão formando importantes conexões neurológicas que impactam diretamente na sua capacidade de aprender e reter informações.
Além dos benefícios cognitivos, a escrita cursiva tem uma dimensão emocional que merece destaque. Aprender a escrever em letra cursiva exige prática, paciência e persistência, qualidades fundamentais para o desenvolvimento da atenção e da concentração. No Colégio Visconde de Porto Seguro, por exemplo, incentivamos o uso da escrita cursiva não apenas como parte do processo de alfabetização, mas também como uma forma de estimular a autoconfiança dos alunos. À medida que percebem a melhora na qualidade de sua caligrafia, as crianças desenvolvem habilidades como a autoconsciência e a autogestão.
A escrita cursiva também desempenha um papel único na organização e no desenvolvimento do pensamento crítico. Quando escrevem à mão, as crianças precisam se concentrar no que estão expressando e em como vão organizar seus pensamentos no papel. Isso reforça a clareza de ideias, uma habilidade que leva à melhoria da expressão verbal e escrita.
Além disso, diversos estudos indicam que o ato de escrever à mão ajuda na retenção de informações, algo que a digitação não consegue replicar de maneira tão eficaz. Em um mundo onde somos bombardeados com estímulos digitais e informações fragmentadas, essa habilidade de foco e memória se torna ainda mais valiosa.
Outro aspecto fundamental é a relação entre a escrita à mão e o letramento digital. À primeira vista, pode parecer que a tecnologia e a caligrafia estão em lados opostos, mas na verdade elas podem se complementar. O desenvolvimento das habilidades motoras finas e a percepção visual ao escrever à mão criam uma base sólida para a alfabetização digital.
No contexto das tecnologias emergentes, é compreensível que muitos questionem o papel da caligrafia no currículo escolar. Entretanto, ao valorizarmos a escrita cursiva, não estamos desconsiderando o poder transformador do digital. Pelo contrário, estamos reforçando a ideia de que algumas práticas tradicionais essenciais e as novas tecnologias devem coexistir e se complementar.
A educação deve, cada vez mais, oferecer uma formação integral, equilibrando o desenvolvimento humano e cognitivo com o uso consciente e eficaz das ferramentas digitais.
Outro ponto importante é o aspecto cultural e histórico da escrita cursiva. Aprender a escrever em letra cursiva é também um exercício de preservação de um patrimônio cultural que atravessa gerações. Quando dominam essa técnica, as crianças têm a oportunidade de acessar textos manuscritos de diferentes épocas, além de desenvolver sua própria “impressão digital” no papel – algo único, pessoal e intransferível.
A caligrafia, portanto, não deve ser encarada como um resquício do passado, mas como uma aliada no presente que contribui para formar estudantes capazes de se comunicar e de interagir com o mundo, transitando com facilidade entre o analógico e o digital. Minha experiência com estudantes e professores reforça que o equilíbrio entre esses dois mundos é o caminho para preparar nossas crianças para os desafios de uma sociedade em constante mudança, reconhecendo sua contribuição para a preservação do conhecimento e da cultura humana.
Em suma, na era digital, a escrita cursiva continua sendo uma ferramenta valiosa para o desenvolvimento das crianças, promovendo habilidades motoras, cognitivas e socioemocionais que vão muito além do simples ato de formar letras no papel.
Mesmo em meio à transformação tecnológica, a escrita à mão permanece um pilar essencial no processo de alfabetização e no desenvolvimento integral de nossos estudantes. Afinal, é essencial valorizar e preservar a escrita cursiva como uma habilidade dinâmica e contextualizada na educação.
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