Um Eco de Alerta II: O idiota da província digital

Uma reflexão de Umberto Eco ao fascismo eterno e ao ruído informacional da internet, onde vozes digitais moldam narrativas revisionistas.

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    Por Caio Henrique Lopes Ramiro

    Inicialmente, importa recordar que algum tempo atrás tratamos de apresentar neste espaço a hipótese do fascismo eterno de Umberto Eco. O escritor e intelectual italiano retoma sua crítica do fascismo em muitos momentos de sua vida e de variadas formas. Parece interessante lembrar de sua intervenção acerca do tema em entrevista que tinha por objeto o lançamento de seu romance Número Zero.

    Neste texto, Umberto Eco trata da questão da memória e do esquecimento, algo que Oswaldo Giacoia Junior bem considera como o drama do destino da alma. Não obstante, o pensador italiano apresenta uma forte crítica da amnésia social no que diz respeito aos acontecimentos brutais do passado fascista, bem como aos escândalos econômicos e político-sociais.

    Por fim, no romance publicado em 2015, Eco aborda o tema do mau jornalismo, sendo este último exercido por via da corrupção de um jornal que é utilizado como veículo não de informação, mas, isto sim, de chantagem e difamação para beneficiar seu editor.

    É também curioso notar que no Brasil houve crítica ao professor italiano e posterior pedido de desculpas em famoso jornal de circulação nacional. Ora, por qual motivo? Pela afirmação bastante forte de que a internet deu voz aos idiotas.

    O romance de Umberto Eco se passa na década de 1990, tendo por cenário uma Itália após Operação Mãos Limpas — objeto de fetiche por provincianos e sombrios personagens políticos de nosso tempo —, contudo, apesar do estrondoso barulho e da tagarelice moralizante, nada havia mudado em Itália.

    Neste sentido, tendo em vista que o tema central do livro é a atuação da imprensa, ao ser indagado a respeito de sua confiança para com os veículos de informação e a internet, o pensador italiano foi enfático e afirmou que temia que a pretensa abertura democrática da internet daria voz aos idiotas, que de outro modo não teriam potencial de vocalização, sendo meros falastrões de mesas de bar.

    O ponto central da análise de Umberto Eco é a denúncia do ruído produzido pela internet, haja vista a tagarelice pronunciada por via da falação. Ora, trata-se de muitas vozes pronunciadas ao mesmo tempo. Desse modo, conforme nos diz Umberto Eco, o ruído da informação contemporânea é um dos temas de seu romance.

    Neste ponto, o autor recupera a noção originária de idiota (ἰδιώτης – idiotes), isto é, a de alguém que vive exclusivamente na perspectiva de uma vida privada, o que implica em uma atitude enclausurada em seus interesses particulares, logo, uma pessoa indiferente ao outro que pode ser compreendido como uma imagem do egocentrismo.

    Assim, o interesse de Umberto Eco é alertar para a eternidade do fascismo, o que se evidencia pela presença de Mussolini como um dos personagens centrais do romance. O cenário narrativo é representado pelo espectro da conspiração que ronda o líder fascista e, em certa medida, Eco pretende expor a psicologia do conspirar à sombra do ideário do fascismo.

    Logo, o ruído informacional — problema bastante conhecido no mundo contemporâneo —, está retratado na obra de Umberto Eco no barulho revisionista produzido pelos personagens em conjunto, o que pode sem dúvida servir para uma reflexão crítica acerca dos idiotas de província que pretendem construir via internet realidades paralelas que ecoam sua própria voz, portanto, buscam constituir uma identidade política baseados no ideário fascista do mito do nacional com a exclusão violenta das diferenças e sem nenhum espírito republicano.

    Por fim, talvez seja mesmo o caso de pensar com Umberto Eco a questão do idiota da província digital, agora não só como um falastrão de mesa de bar que ganhou vocalização em podcast, mas, isto sim, que a partir de uma herança patrimonial forjada em minas de diamante de sangue, este último tenha a pretensão de se tornar o magnata imperial da rede virtual.

    Logo, verifica-se o sempre presente espectro monopolista do capital que investe no controle da narrativa e da opinião pública, algo como uma versão digital do cidadão Kane, de Orson Welles.

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