Por Caio Henrique Lopes Ramiro
Na última semana se deu o aniversário da Constituição Federal de 1988. No dia 5 de outubro o documento constitucional completou 35 anos, com muitas manifestações, palestras e escritos a seu respeito. Parece fora de dúvida que há motivo para celebração, contudo, também se apresenta razoável alguma reflexão.
Considerando este ponto, recordamos da questão colocada em um congresso realizado na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, por razão dos 30 anos da Constituição Federal (2018) — oportunidade em que também se rendeu uma justa homenagem ao grande professor Menelick de Carvalho Netto —, a saber: o que constituímos?
Tomaremos de empréstimo esta questão para refletir um pouco a respeito do último dia 5 de outubro, aniversário do documento constitucional que contou com a chegada do filósofo indígena Ailton Krenak à Academia Brasileira de Letras (ABL), a fim de ocupar a cadeira deixada por José Murilo de Carvalho. Algumas ideias de Ailton Krenak já transitaram por esta coluna. Parece interessante agora um escrito em sentido algo mais biográfico.
Ailton Alves Lacerda nasceu no território da etnia dos Krenak, na região do médio Rio Doce, no Estado de Minas Gerais, no ano de 1953. Há uma vasta contribuição sua não só no plano do debate intelectual, mas, também, na militância política em defesa das causas indígena e ambiental, tendo contribuído para a organização da União das Nações Indígenas (UNI). Desse modo, o pensador indígena se coloca como um intelectual público na perspectiva da luta por reconhecimento de direitos, bem como para que a sabedoria dos povos originários seja retirada do ocultamento e do silenciamento impostos pelo colonialismo.
A chegada do filósofo à imortalidade na Academia Brasileira de Letras no dia 5 de outubro permite retomar esta trajetória de luta por reconhecimento. Não parece razoável tratar este fato como algo natural, uma vez que a ABL tem dentro de sua história muitos episódios, digamos, mal explicados, de recusa a intelectuais que fogem do estereótipo da casa grande brasileira, o que se verifica, por exemplo, no caso de Lima Barreto.
Ainda, ressaltamos a importância do fato ao considerarmos a luta por reconhecimento e sua relação com a formação da identidade do sujeito constitucional, pois Ailton Krenak participou da constituinte de 1987. Na ocasião de sua intervenção na constituinte — que pode ser encontrada na internet —, proferiu discurso e ao mesmo tempo pintou o rosto com pasta de jenipapo misturada com carvão, uma simbologia do protesto contra os retrocessos praticados contra os direitos dos povos indígenas. Neste momento, a luta política se tornava visível no Congresso Nacional, o que foi uma importante contribuição para o aparecimento do capítulo da Constituição Federal dedicado aos direitos dos povos indígenas.
Assim, o reconhecimento de Ailton Krenak é algo a se comemorar, todavia, é preciso manter a reflexão acerca da memória das lutas e daqueles que sucumbiram, uma vez que a resistência dos povos originários pela manutenção de sua forma de vida também está colocada no espectro da construção da memória das lutas da tradição dos oprimidos.
Por esta via, parece possível pensar que constituímos coisas interessantes, inclusive reconhecimentos, contudo, é preciso manter viva a memória do poder constituinte, uma forma de articular historicamente o passado, a fim de nos apoderarmos de uma recordação que cintila no instante de perigo.
Foto: Cadernos Selvagem
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