Recaídas e persistência: os dois lados do tratamento de quem sofreu acidente de trânsito em Maringá

Apenas em 2019, o 5º Grupamento do Corpo de Bombeiros em Maringá realizou 1.117 atendimentos a acidentes de trânsito na cidade.

  • Fisioterapeutas e outros profissionais da saúde andam depressa, enquanto a recepção está cheia de pacientes. Era quarta-feira e o relógio marcava quase duas horas da tarde. Para alguns, “ufa! já é metade da semana”, mas para quem aguardava ser atendido era um dia a mais de persistência, aceitação e expectativa de retomar os movimentos ou quem sabe não precisar mais de uma cadeira de rodas.

    Entre os mais de 300 pacientes atendidos atualmente no Centro Integrado Regional de Reabilitação, na Associação Norte-Paranaense de Reabilitação (ANPR), dez se envolveram em acidentes de trânsito e tiveram alguma sequela neurológica ou que afetou a coordenação motora. São casos de amputação, traumatismo craniano encefálico ou lesão medular.

    Neste mês de maio, a cor amarela chama atenção das pessoas para conscientização no trânsito. Apenas em 2019, o 5º Grupamento do Corpo de Bombeiros em Maringá realizou 1.117 atendimentos a acidentes de trânsito na cidade. Desse total, 515 envolvendo automóveis e 377 motocicletas. O número é 9,8% menor que no mesmo período do ano passado, quando foram 1.227 atendimentos.

    Na ANPR, boa parte dos pacientes são motociclistas. Para eles, cada dia é uma nova oportunidade. No entanto, são novas oportunidades de altos e baixos emocionais. Eles precisam lidar com uma realidade de vida diferente, a maioria voltava do trabalho ou estava trabalhando durante o acidente e agora se vê impedido de fazer movimentos básicos.

    Também enfrentam as frustrações, a chamada dor fantasma pela perda de um membro do corpo e, principalmente, o tempo e a espera por resultados do tratamento. “Será que um dia vou conseguir voltar a trabalhar? Será que vou conseguir ser útil?”, são as frases que a psicóloga do Centro de de Reabilitação da ANPR, Merylin Janazze Garcia, diz mais escutar dos pacientes.

    Para ela, o pós-acidente, encarar a nova vida fora do quarto do hospital, é o momento mais difícil para os pacientes. “Nos casos de amputação, a parte cognitiva e de compreensão ficou preservada, eles entendem tudo o que está acontecendo. Nesses pacientes, a gente observa quadros de ansiedade e depressão. Eles estavam trabalhando, estava tudo bem e, de repente, tudo para de uma vez”, observa a psicóloga.

    Na visão de Merylin, a reabilitação é um processo de superação, mas também de frustrações. O acolhimento e o diálogo constante com o paciente e com os familiares é essencial. “Nos casos de traumatismo craniano encefálico, a gente percebe uma angústia da família e procuramos sempre estar em contato com as pessoas próximas. São pacientes que vão atingir objetivos, mas alguns não vão conseguir retomar totalmente a vida normal”.

    A persistência, o sorriso no rosto e o acolhimento se tornam ferramentas eficazes para combater a ansiedade e mostrar que sempre existe uma alternativa. “A gente tenta brincar e conversar. Se ele está nos respondendo ou não [no caso dos pacientes com traumatismo], a gente conversa mesmo assim. Eles sempre nos dão algum sinal, uma piscada ou um sorriso no rosto e assim a gente consegue se comunicar”.

    “A conscientização e o respeito no trânsito devem estar em primeiro lugar”

    Luiz Antônio amputou a perna após sofrer um acidente de moto em Maringá no ano passado / Murillo Saldanha

    No jornalismo, é comum nos acostumarmos a perguntar e opinar. No entanto, a principal virtude que deve ser desenvolvida nessa profissão é saber escutar o que os outros têm a contar. Por isso, quem conta a história é Luiz Antônio Rosseto, de 45 anos. Morador de Paiçandu, o motociclista se envolveu em um acidente de trânsito no ano passado quando voltava do trabalho.

    Era 21 de julho de 2018, por volta das 16h30, ali na baixada do bairro Cidade Alta. Estava retornando do trabalho em Sarandi e indo para casa quando, sem esperar, uma linha de cerol me atacou. Perdi a direção e acabei colidindo com outro motoqueiro que vinha na direção contrária. Minha perna ficou esmagada.

    No hospital, tentamos recuperar a perna por dois meses. Foram dois meses de pura dor e o que não senti no acidente eu senti nesses dois meses. Fiquei dez dias em coma, nesse período eu vi o céu e a terra. Depois de acordar, para uma nova vida, tentamos recuperar a perna e quando ia fazer a última cirurgia tive uma infecção no osso e não pude continuar o tratamento.

    Não digo que não foi um choque, mas na hora só pensei que queria sair bem dali. Chamei minha mãe no canto e falei:

    – Mãe, Deus me deu uma segunda chance de vida, mas não me disse como eu ia ficar.

    A amputação ocorreu 15 dias antes de completar dois meses de internação, em setembro. Agora, em janeiro desse ano, comecei a fazer tratamento aqui na ANPR. Não vou falar que está sendo fácil porque não está. Por mais vontade de viver que eu tenho, às vezes tenho recaídas, mas tento me levantar de novo para não dar problema para minha família.

    Minha atual esposa me ajuda a segurar a barra após o acidente. Tenho três filhos, todos meninos. Apenas um deles, que tem 1 ano de idade, é do atual casamento. A minha família é muito simpática comigo, mas às vezes eu que não consigo me adaptar. Por causa do acidente ainda não estou naquele clima. Eu nunca imaginei depender dos outros, sei que não é culpa deles, mas me sinto assim.

    Depois do acidente, comecei a fazer uso de remédios para depressão e ansiedade. A dor fantasma também me persegue. Se ficasse 24 horas acordado, 24 horas eu estaria sentindo a minha perna. Eu sinto formigamento no meu pé, dor, parece que está batendo um prego na ponta do pé, e a canela onde foi feita a cirurgia eu sindo latejar.

    Depois do acidente, tudo mudou. Sempre trabalhei desde os meus 13 anos, gostava de acordar cedo, levantar às 4h da manhã para trabalhar. Só que a gente não pode falar assim: “Ah, perdi a perna. O que vou fazer agora”. Não, pretendo colocar a perna e quero fazer de tudo para continuar minha vida.

    Se puder trabalhar, vou trabalhar de novo. Se puder dirigir caminhão, que agora tem automático, vou dirigir também. Tem que ter persistência, se você ganhou a oportunidade de ter uma segunda vida, você tem que lutar por ela.  

    Sempre falo para quem vejo na rua de moto:

    – Gente, se cuida. Coloca aquela a danadinha da antena, que minha moto não tinha. Isso é importante ter.

    É uma anteninha que custa R$ 20 e que você coloca no guidão para não ser atingido pelo cerol. Se tivesse essa anteninha na minha moto não estaria aqui hoje. A conscientização e o respeito no trânsito devem estar sempre em primeiro lugar.

    Trânsito mata mais que crimes violentos

    “O importante é que estou aqui, estou vivo. Tem dia que a gente está mais triste, mas estou lutando”. Essa é outra frase comum entre os pacientes que passam pela avaliação psicológica antes de iniciar o tratamento. Eles são gratos à vida, em um trânsito que mata mais do que crimes violentos no Paraná.

    Segundo levantamento da Seguradora Líder, que administra o seguro DPVAT, no ano passado foram liberados 2.712 seguros por causa de mortes no trânsito no Estado. Enquanto isso, o número de mortes violentas no Paraná foi de 2.088.

    De acordo com a última atualização da Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob), apenas neste ano foram registradas onze mortes no trânsito em Maringá. A maioria das mortes envolve motociclistas, com seis registros. Também morreram dois pedestres, dois ciclistas e um condutor de automóvel.

    Dados levantados pelo Programa Vida no Trânsito (PVT) mostram que os motociclistas são os que mais morrem em acidentes na cidade. Foram 23 óbitos em 2018 de um total de 43 mortes no trânsito da cidade. Além dos 23 motociclistas, também morreram nove pedestres, oito ciclistas e quatro condutores de automóvel.

    Saiba mais sobre a ANPR

    A missão da ANPR é oferecer programas sociais de inclusão, por meio de atendimento educacional, habilitação e reabilitação a pessoas com deficiência física, neuromotora e outras. Quem passa pelo Centro Integrado de Reabilitação da instituição recebe atendimento médico, de fisioterapia, fonoaudiologia, psicologia e enfermagem.

    A ANPR também tem uma oficia ortopédica conveniada com o Sistema Único de Saúde (SUS) que produz e fornece próteses, órteses e cadeiras de roda. A instituição se mantém com recursos de convênios com o SUS, secretarias municipais de Saúde e Assistência Social e Secretaria Estadual de Educação (Seed). A ANPR também realiza promoções e obtém recursos por meio do Nota Paraná.

    Prótese do Luiz Antônio e de outros pacientes são confeccionados na ANPR / Murillo Saldanha

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